Brasas

Nota da edição (o pretenção): Primeiro, gostaria de pedir desculpas por estar meio afastado do blog e não dar à ele a devida atenção que a coisa toda me pede. Mas juro que estou correndo atrás de outros autores e de um layout melhor, porém o tempo não está me permitindo grandes feitos...
Enquanto isso...



Brasas
Acho que a primeira vez que a vi foi atravessando uma dessas ruas de grande movimento. Era sem duvida um dia de muito sol, porque havia luz quando ela passou – ou será que a luz emanava dela? Seus cabelos eram de um vermelho vivo como as brasas de uma fogueira de inverno que, mesmo sofrendo com os ventos frios, resiste, diferente de todos os cabelos vermelhos que já havia visto por ai nas cabeças das outras rebeldes que pintam suas cabeças da mesma forma. Mas ela não era uma simples rebelde, dessa que você encontra com seus quinze poucos anos. Com toda a certeza do mundo não tinha quinze anos, idade em que as espinhas quase pulam da cara e o corpo ainda é meio anorexo. Pelo traçado do corpo, a forma de andar em seus sapatos de salto alto e o jeito com que carregava sua bolsa de alguma grife, devia ter no mínimo vinte cinco anos e no máximo trinta, o que para min é a fase áurea de um ser humano do sexo feminino. Dessa primeira vez não consegui ver muita coisa, até porque o sinal não fica fechado tanto tempo assim e a rua não é grande como uma passarela aonde ela pudesse desfilar para min mostrando seu corpo e rosto, dando no final uma leve virado voltando de onde veio.

Como havia sido apenas um pequena visão do céu e de um de seus anjos, não levei muito em conta toda aquela cena digna de cinema e simplesmente esqueci que ela, a falsa ruiva de cabelos em brasas, existia no momento em que os carros que estava atras do min começaram a buzinar e a xingar palavras chulas ordenando que eu fosse para o inferno ou dizendo coisas feias sobre o passado de minha mãe. Praticamente foi obrigado a sair de meu transe e seguir a ordem das coisas: carro anda, carro para, carro anda, carro para...

Passaram-se duas semana entre o primeiro encontro –se assim posso chamar aquele episódio – e o segundo. Não deveria descrever essa passagem, porém acho que ela foi decisiva para toda a história. Eu estava comprando livros em uma livraria perto do trabalho, como sempre faço todo início de mês, e de repente, enquanto eu estou lendo o prólogo de algum livro do King que falava sobre um pistoleiro qualquer, a falsa ruiva passa pela porta que se abriu automaticamente para que a deixasse passar e caminhar até alguma sessão perdida destinada a livros sobre culinária. Me controlei, não podia simplesmente ficar seguindo uma desconhecida pelos labirintos de uma livraria, mas como o corpo nem sempre segue o que o bom senso manda, acabei atrás dela tentando chegar mais perto para sentir o cheiro doce que seu corpo parecia emanar, e por falar em emanações: sim a luz saia dela. Sei que fui um completo idiota, mas só o fato dela estar perto de min, fazia com que meu corpo formigasse e meus pés não dessem mais a impressão de tocar o chão. Ela displicente ao calor que meu corpo produzia, pegou mais um livro, que o titulo era “Como preparar um bom assado.” Sem cinismo, mas ela não precisa de dicas para preparar um assado, basta que coloque os seus olhos cor de mel encima de min e em um minuto vou deixar de ser um dos melhores fotógrafos da cidade para virar cinzas.

Não havíamos trocado uma só palavra, nem ao menos um só som, e ainda assim eu estava completamente destruindo por não poder ter ao meu lado aquele anjo de cabelos em brasa. Não sei se deveria me questionar isso agora, depois que as coisas acabaram como acabaram, mas sempre achei os anjos eram loiros e do sexo masculino, de fato não importa.
Durante alguns dias, vivi somente com o propósito de encontra-la por ai, quem sabe tomando um café com seu marido ou dançando em algum bar de lésbicas. Não importava muito o que ia me fazer deixar de ter pesadelos, eu só não queria pensar mais nela, porque no fundo de meu coração, que um dia se abriu como aquela porta automática só para deixa-la passar, eu sabia que nunca iria ter mais que um encontro sem palavras. Declaradamente eu estava dependente da idéia de que não seria feliz se não a visse mais uma vez.

Em uma tarde de chuva, meu editor liga me ordenando uma saída até as ruas, que estavam alagas, para que cobrisse um acidente de carro que aconteceu em uma dessas ruas movimentadas – não, realmente não sou um grande fotografo e nem trabalho em uma grande revista, desconsidere o que você leu antes, eu só estava empolgado com a escrita. No caminho fui escutando a rádio de notícias mais rápida e frescas que pode existir: a freqüência da polícia. Vários acidentes estavam sendo notificados, mas nenhuma voz de mulher velha e mal amada, anunciava o acidente que eu estava para cobrir. Deixei como estava, nunca gostei e saber o que vai acontecer, gosto de chegar na cena e ver as tripas para fora e o cérebro escorrendo pela calçada, porque é isso que mantém meu emprego.

Chegar a uma cena de acidente de carro não é a coisa mais fácil quando se está em uma rua movimentada, porque uns param para ver o que aconteceu, enquanto outros só querem ir para casa e não se importam se quem está lá deitado é seu amigo, namorado ou amante – alguns até rezam por isso. Eu só tinha em mente que deveria ter a melhor foto e me aproveitaria do fato de que não haviam outros fotógrafos urubus encima da carne fresca que eu iria comer. Achei estranho nem os motoristas estarem demorando para ver o que aconteceu, e isso significava que a imagem devia ser bem forte. Ouvi alguém dentro de um carro dizer com uma voz de notável pena, algo sobre o fato de a vitimar ser muito jovem. Como se os jovens não morressem.
Quando finalmente cheguei perto do corpo que estava jogado no chão quase tive que me segurar no senhor que estava ao meu lado. Não conseguia acreditar que a pessoa que estava ali jogada, morta, com as gotas de chuva caindo sobre seus olhos abertos, era realmente quem eu estava vendo. O que os meus olhos viam, não eram aceitos pelo meu coração – que agora está fechado. Minha mente começou a criar pequenas ilusões para me fazer parar de sofrer, comecei a ver traços que não se assemelhavam a realidade, só para poder negar. Mas não teve jeito era realmente quem eu não queria ver: a ruiva de cabelos em brasas.

Tudo era meio engraçado naquele momento, sei que não deveria ver dessa forma, mas só o fato de que eu não teria mais que me preocupar com a influencia que aquela estranha teria sobre min, fazia eu me sentir mais alegre. A brasa já não queimava mais e agora não havia mais cheiro doce, só o cheiro da vala que estava aberta do lado dela. Também é engraçado que ela não tivesse nenhuma escoriação aparente. Não havia sangue e tripas para todos os lados, nem um pedacinho de cérebro ao menos.

Não me julguem mal por não ter ficado com pena daquela pobre mulher, mas agora minha vontade era gritar e agradecer ao homem que havia feito aquele milagre. Procurei o motorista assassino. Como de praxe, ele estava sentado no meio fio chorando e dizendo que a culpa não era dele, que não tinha intenção de matar ninguém e que tinha sido ela quem atravessou a rua correndo com o sinal aberto. Quando cheguei perto dele, só consegui dizer uma coisa: “Obrigado!”

1 Sua opinião:

Anônimo disse...

nao acredito que ainda nao tinha comentado aqui. ah tah... eu e minha timidez...

esse caso se parece com a doença do carinha que trabalhava com o kiss. acho que ele tinha uma doença que é uma vertente do altismo.
Ele teve que decorar frases pra conviver em sociedade. acho que o nome da doença é mal de aspen...

vc é incrivel mesmo!

***