Camadas - Capítulo V - Olhando pela janela

Para acompanhar melhor, leia os capítulos anteriores.
Capítulo I – Vendo o invisível
Capítulo II – Grandes descobertas

Capítulo III – Explicando a realidade
Capítulo IV – Caçando no esgoto


Nesse capítulo que eu estou postando agora a história deixa de girar entorno de Milena e passa a falar de outro personagem.
Espero que o pessoal que está lendo continue e quem ainda não leu que passe a faze-lo

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Capítulo V – Olhando pela janela.

Já era a terceira vez que Sam acordava no meio da noite porque um pesadelo se interpôs entre ele e a paz de um sono quente e sem problemas. Ele se levantou coçando a cabeça de cabelos negros como o manto de noite que se estendia janela a fora. Não havia nada que podia fazer, voltar a dormir quando se acorda de um sonho ruim como esses não é o melhor remédio, você pode se deparar com o mesmo pesadelo e acabar ficando preso nele para o resto da vida. Então o melhor a fazer era levantar e tomar alguma coisa forte para acalmar os ânimos. Sam se virou agora sentado na cama e pode perceber o quanto já havia suando só olhando para o estado de lençol que o estava cobrindo.

De certa forma Sam estava acostumando-se com os pesadelos, era a quinta noite seguida que ele tinha que ver coisas que não queria, coisas que faziam sua espinha tremer como um peixe recém abatido. Tinha que levantar e tomar alguma coisa urgente, se não era capaz de ver aquelas coisas só fechando os olhos. Checou o armário e para sua infelicidade ficou ciente que não havia mais nenhuma garrafa de vodka que seu primo havia trazido. Era quase um insulto um latino preferir vodka a tequila, mas Sam não se importava, sempre tivera gostos estranho, quando era garoto gostava de ficar em cima de seu prédio olhando para a cidade com seus binóculos, algumas pessoas achavam ele doente, mas ainda podia se lembrar das palavras de seu pai sobre seus gostos: “Apenas não toque! Se você estiver só olhando, eles não podem te acusar de nada!”. Talvez olhar voltasse a acalmar seu coração, ele pensou procurando seu binóculo, agora um profissional e com lentes noturnas.

Sam bateu a porta do apartamento com o coração ainda sofrido por não poder ter acesso à santa vodka curadora de males como os pesadelos, mas já podia se sentir melhor por poder observar a cidade em uma noite tão clara como aquela. Seria relativamente fácil: só achar um prédio nem alto nem baixo e que tivesse escadas para o telhado. Demorou um pouco procurando o prédio e quando parava e fechava os olhos podia ver a última cena que os olhos de sua mente virão. Uma mata fechada, tão fechada quanto se pode ser, ele corria em direção de sabe lá Deus o que, quando no meio do caminho ele percebe que está sendo seguido, mas não pode ver que está atrás dele, pois se olhasse para trás ia perder tempo e eles iriam pega-lo. O sonho terminava com ele dando de cara com uma “coisa” metade monstro, metade máquina que tinha em seus braços o corpo de uma jovem de cabelos curtos e olhos extremamente azuis.

Ele encontrou o prédio perfeito e subiu nele feito um alpinista escalando uma montanha ainda não explorada. Cada parada nos lances da escada significa que poderia ser visto, por isso ele trata de não parar até estar no telhado. Então quando se encontra localizado no telhado, no telhado perfeito, escondido nas sombras, trata de escolher sua primeira vítima: um prédio residencial que fica a esquerda do prédio em que ele está assentado.

Ser um voyeur é um trabalho que exige muita paciência, mas pode ser bem recompensador dependendo do ponto de vista com que a situação é vista. Ele sabe que tem que esperar muito antes de qualquer ação, por isso não se detém muito nas janelas onde ainda há luz ou brilho de aparelhos de televisão. Procura as janelas com as cortinas fechadas, porque sabe que existem motivos muito bons para que elas estejam fechadas. A primeira analise não dura mais que dez minutos: são vinte andares, quatro janelas por andar, das oitenta janelas setenta e três está completamente com as luzes desligadas e as cortinas abertas, como já era de se esperar: pessoas comuns. Mas são as outras dezessete janelas que o interessam. Em duas ele pode ver casais transando, nada demais ou que mereça sua atenção, em três um cara gordo está vendo televisão enquanto se empanturra de salgadinhos ou bolinhos, sobram quinze janelas e muitas delas só deixam a vista cômodos sem graça em que não existe presença humana digna de ser observada.

Sam começa pensar que era melhor ter ido até uma loja vinte e quatro horas e ter comprado uma ou duas garrafas de vodka, talvez ele fosse assaltado no meio do caminho e isso sim seria emoção o suficiente para fazer esquecer a figura sinistra que ele havia visto no sonho. Mas é quando ele se prepara para a retirada à procura de outro prédio ou de uma loja, que uma luz repentinamente se acende chamando sua atenção. Um das janelas de luz desligada com uma pessoa dormindo resolveu mostra ação. Ele se senta na escuridão novamente e se preparada para observar. A visão é das mais comuns: uma mulher, provavelmente na casa dos vinte e poucos anos, se levantou para ir ao banheiro, que fica enfrente a janela, apenas precedido de um pequeno corredor, pegar algum remédio. Ela caminha até o que provavelmente é a cozinha e volta com um copo de água, senta na cama em quanto toma seu remédio junto com um copo grande de água. Aquela é uma das cenas mais normais que um ser voyeur pode presenciar, mas mesmo assim ela foi como um soco na boca do estomago de Sam. Ele ficou tentando aumentar o zoom do binóculo, mas ele já havia visto bem nitidamente para ter certeza: aquela mulher bebendo água era a mesmo que ele havia visto em seu pesadelo a algumas horas atrás.

Quando coisas estranhas acontecem, demora um pouco para que a mente volte a raciocinar. A de Sam levou exatas duas horas de observação para voltar ao normal e quando foi dar por si, já estava quase amanhecendo e ele tinha voltar para seu apartamento e se arrumar para ir trabalhar. Anotou o nome da rua e o número do prédio, assim como o número que ele acreditava ser o do apartamento da tal mulher. Foi correndo para casa na esperança de não se atrasar para o trabalho pela sétima vez esse mês.

Durante o caminho de volta, Sam via em cada reflexo de vidro a imagem da mulher misteriosa presa nas garras do monstro máquina que o estava seguindo em seu sonho, então ele percebeu que aquela cena seria muito difícil de ser esquecida. Correu pela escada do seu prédio rezando para poder ter tempo de só pegar uma camisa limpa e ir voando para o trabalho. Mas quando abriu a porta do apartamento percebeu que as coisas não iam acontecer da forma como ele queria. Parado a sua frente estavam dois homens com roupas que lembravam os personagens do filme, Senhor dos Aneis.

- Vossa senhoria seria o jovem Samuel Morris? – perguntou o barbudo com um cajado nas mãos.

Camadas - Capítulo IV – Caçando no esgoto.

Para entender ler tudo desde o início
Camadas - Capítulo I - Vendo o invisível
Capitulo II – Grandes descobertas
Capítulo III – Explicando a realidade



4ª capítulo do maior texto que eu já postei aqui.
Espero que as pessoas estejam gostando e possam me ajudar cada dia mais comantando suas opiniões.
Na terça feira colocarei o quinto capítlo que já está pronto.
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Capitulo IV – Caçando no esgoto.
Quando somos pequenas crianças, histórias nos são contatas pelos mais velhos na vã tentativa de que acreditemos em seres mágicos ou em mundo fantásticos. No fundo esses mais velhos, sejam eles seus pais ou não, só querem que você acredite que as coisas podem melhorar, mas o que eles não sabem é que só estão falando de um mundo que já fez parte de nossa realidade e por isso estão contando meia verdade.

Nem uma das descrições feitas de sobre a aparência dos elfos, faz jus a sua verdadeira forma. Tolkien ou Sheakspeare, tanto um com o outro errou a descrevê-los, não existe aura mágica ou seres do tamanho de polegares. O que Milene pode perceber do elfo que ela estava vendo era que sabia muito bem que coisa ele não é. Ficou fácil deduzir que era um elfo pois de certa forma tinha as orelhas pontudas, os cabelos longos e lisos como água negra e um rosto tão pálido quando um marinheiro com escorbuto. O problema na verdade estava nos olhos, em nenhum livro dizia que eles tinham olhos que pareciam penetrar a alma a procura de alguma coisa tão negra quanto suas orbitas desprovidas de luz. Não era o ser mais assustador que Milena já havia visto, esse cargo ficava a um dos monstro que ele viu ontem anoite durante o pesadelo, mas com toda a certeza que temos nesses momentos, aquela era a forma vivente mais sinistra que ela conhecia.

- Seu idiota! Seu gordo idiota! – o sátiro gritou pulando encima da mesa ficando bem entre ela e Joe. Eu disse para matá-la e não para ficar dando explicações! Se você não podia me fazer esse favor, então eu deveria ter te deixado morrer a quarenta anos atrás. – ele tinha espuma no canto da boca e quem o visse agora pensaria se tratar de um demônio e não de um sátiro ou fauno.

- Me desculpe, por favor! – a voz de Joe tremia como se ele estivesse na frente de um demônio e não de um sátiro.

- Eu não quero suas desculpas. Vocês humanos tem essa mania chata de pedir desculpas, achando que isso vai concertar as merdas que vocês fazem. Agora só me diz o que eu vou fazer com ela. Quando você explicou como as coisas funcionavam para essa pirralha, abriu ainda mais o portal que existe dentro da mente dela. Ela agora tem consciência do que é, e as regras são muito claras: “quando um portador do dom tiver plena consciência de seus poderes, será dado a ele a opção de escolher onde ficar”. Agora ela vai poder abrir o portal quando estiver com medo. – ele terminou a história com um soco bem na boca de Joe, abrindo um pequeno rio de sangue no seu lábio superior.

- Eu não contei nada, me desculpe! – Joe estava chorando como uma criança agora. Eu não contei nada, por favor!

O sátiro olhou para trás, bem para os olhos de Milena, fazendo o mesmo que o elfo, procurando algo em sua alma, mas diferente do ser sinistro, ele parece ter encontrado algo que o agradasse.
Dizer que Milena não estava entendo nada, seria muito pouco. Ela se sentia totalmente por fora do assunto, mesmo depois de receber toda explicação indireta enquanto o sátiro batia em Joe. Uma coisa bem errada iria acontecer, ela podia sentir enquanto o pequeno encima da mesa ainda tinha às mãos em Joe, mas não foi só ela que teve o tal pressentimento, o elfo também estava inquieto.

Milena não sabia dizer se a tal sensação vinha das suas costas onde o elfo estava parado entre ela a porta, ou se vinha de fora da sala, mas precisamente enfrente ao Jet. Seu coração bateu mais forte quando escutou um nome saindo da boca do ser sinistro, ele o dissera com certa lentidão acrescentando sílabas, meio que sentindo a carga que havia no ar, ele disse pela segunda vez: orcais, mas disse com quem cospe algo de ruim entalado na garganta. Agora Milena podia sentir mais forte a presença no ar e sabia que estava em perigo.

- Merda! Está vendo o que você fez seu gordo? Você contou para ela e isso os atraiu para cá. Temos que nos livrar deles. – então se dirigiu para o elfo. Pode me dizer quantos são.

- Estão em seis. – Milena respondeu com uma voz sem sentimentos, voz que nem mesmo ela sabia que poderia ter.

- Droga! Temos que sair daqui. Não podemos lutar contra seis. Vamos, venham comigo. Neudor, fiquei e os atrase o quanto puder, depois abra um caminho seguro e volte para Almor. - as palavras do sátiro foram seguidas de um aceno de cabeço do elfo, que desembainhou uma grande adaga que estava em sua cintura.

Os quatro saíram pelo corredor, três deles, Milena, ainda atordoada por tudo o que estava acontecendo, Joe e o sátiro, correram para saída dos fundos enquanto o elfo ficou parado no meio do corredor de frente a entrada que vinha da loja. Foi quando eles estavam abrindo a porta dos fundo, que a luz dentro do escritório de Joe se apagou e ela não pode mais ver o contorno do elfo e suas armas, mas mesmo assim podia ouvir o barulho de briga e parecia ser briga das feias.

- Temos sorte desses animais ainda não terem aprendido como fazer uma emboscada correta, eles sempre superestimam a minha inteligência, mesmo me conhecendo a dois séculos. Agora vamos para um lugar seguro, aonde ninguém poderá nos ver. Vamos entrem ai. – ele apontava para o bueiro aberto bem no meio do beco que ficava atrás do Jet.

Entrar dentro de um bueiro não era nada comparado aquela loucura toda. Milena não se importou muito com mais esse problema, esperava que amanhã pelo menos pudesse estar em sua casa para tomar um banho e tirar aquela inhaca do corpo, mas o situação indicava o contrário. Estava caminhando a mais de uma hora por entre o sistema de esgoto da cidade, era o pior parque de diversões que poderia existir e dentro da cabeça de Milena ficavam re-soando a voz dos mais velhos que contavam histórias sobre crocodilos criados dentro dos esgotos, e como ela chegara até ali com um sátiro e vira um elfo, não estava em condições de duvidar das histórias e lendas urbanas, então ela se dirigiu pela primeira vez ao sátiro.

- Espera um pouco! Estou cansada. Nós temos que sair daqui, esse cheiro vai me matar antes dos orcs. Espera! Eu não agüento mais andar. Por favor, para! – ela já estava implorando, mas o sátiro continuava andando e Joe parecia segui-lo sem pestanejar. Quando ela ia voltar a se lamentar, o sátiro parou.

- Fique quieta! Esse barulho! Tem alguém nos seguindo. – e foi depois de dizer isso que uma sombra grande, com quase dois metros ficou bem a frente deles.

Camadas - Capítulo III - Explicando a realidade

Terceiro capítulo do romance Camadas.
Espero que vocês estejam gostando dessa minha viagem ao mundo dark da fantasia.
O link para quem quiser acompanhar essa história desde o começo
Camadas - Capítulo I
Camadas - Capítulo II

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Capítulo III – Explicando a realidade

Quando alguém lhe diz que você é especial a primeira coisa que a mente correlaciona é a imagem de uma pessoa com problemas mentais. O caso de Milena não foi diferente, quando Joe falou com uma voz misteriosa a palavra especial, ela começou a pensar nas dificuldades que tinha durante a escola, no fato de que coisas estranhas aconteciam mais vezes com ela e nas vezes em que sua mãe a levara a vários neurologistas. Mas no fundo ela sabia que a especialidade mencionada não era em momento nenhum como uma deficiência, muito pelo contrario, talvez fosse como ter poderes, porém acreditava bem menos nessa hipótese.

Ela continuou sentada, quase de boca aberta, esperando mais informações virem de Joe, porque apenas dizer que ela era especial ou que era alguma forma de portal mágico, não era o suficiente. Ela queria explicações e de preferência coerentes. Esperou mais um minuto por algum comentário extra, vindo de Joe e como ele só a encarava olhando diretamente em seus olhos, resolveu que ela mesma faria as perguntas, só que ao abrir a boca ele deixou bem claro o que sabia e o que não sabia.

- Olha garota! Não adianta não ficar me perguntando muita coisa. Eu sei só mais um pouquinho que você sobre essa palhaçada toda, então vamos fazer assim: eu te digo o que sei depois do trabalho e você não fala mais nada durante o dia. Estamos combinados? – mas ela sabia que não adiantava se negar a concordar com a oferta de continuar as escuras durante o resto do dia. O que a deixava animada era saber que ele não a mataria naquele instante, talvez durante a noite, mas não se importava de correr esse risco, estaria na mesma sala quando o expediente acabasse.

Não podemos dizer que aquele foi mais um dia normal de trabalho para Milena. Haviam os mesmo clientes chatos, o mesmo uniforme desconfortável, as mesmas cantadas vindo do Barry e o meus cheiro de derrota que o bairro exalava quando o sol batia sobre os telhados, porém lá no fundo, no fundo do pensamento de Milena, havia uma coisa nova, ela ainda não sabia o que era direito, mas sabia que era algo novo e qualquer novidade a deixava empolgada, porque elas sempre significavam mudanças, mesmo que para ruim. Como é de praxe nesses momentos importantes, as horas pareciam escorrer com lentidão, nada havia a fazer para acelerar o tempo, então ela se resignou a apenas trabalhar, tentando evitar pensamentos sobre o acontecido na sala.

Quando o ponteiro do relógio de pulso marcou dez horas, ela percebeu que havia trabalhado o dia todo, durante os dois turnos, cobriu a colega Betty como havia prometido na semana passada, mas não o fizera com um gosto amargo na boca, dessa vez ela praticamente gostou de trabalhar, pelo fato de haver um bom motivo para continuar no local de trabalho. Joe estava lá fora passando do trinco na porta de frente e logo estaria ali dentro para a tal conversa. Ela esperou na sala dele, como quem espera em um consultório de dentista, segurando a revista que fica na mesinha, mas sem ler nada que há escrito, a tensão geralmente faz isso com as pessoas.

- Meus Deus! Você já está ai? – ela pode ouvir a voz de Joe vinda da porta. Você deve mesmo achar que e não estou cansado depois de um dia como esse. Aqueles garotos fizeram um estrago no banheiro, tenho que ficar esperto, acho que eles querem colocar um ponto de drogas bem aqui enfrente e isso seria péssimo para os negócios. – ele a olhou e pode ver que um futuro ponto de drogas não era o assunto que Milena queria discutir naquele momento. Bem, bem... Então vamos ao nosso grande assunto, não é verdade?! Acho que você deve ter passado o dia todo tentando entender o que eu te contei mais sedo, mas vou te dar um conselho: não tente entender nada, isso só piora as coisas!

- Mas J, você disse que...

- Eu sei garota, não precisa dizer o que falei para você. Sei que te ameacei de morte hoje mais sedo e também sei o quanto é sério aquela conversa de portal e especial, mas quero que você entenda que tudo isso é tão louco para você quanto para mim. Eu sei de coisas sobre esse mundo que te deixariam com os cabelos da nuca todos arrepiados, mas esse seu caso está além do meu conhecimento, eles me contam muito pouco, a maior parte do que sei, vem de investigações próprias e... – Milena levantou o dedo como as crianças que querem falar durante a aula.

- Para tudo! Vamos começar do início. Primeiro: quem são “eles”? – ela já não tinha mais o tom de deboche que havia na voz na manhã mais sedo, agora o tom era cético.

- Bom... Existem vários “eles”. Aquele sátiro que você viu não é o primeiro e nem o ultimo. Foi ele quem me ensinou sobre o que vou te contar agora.
“Milena, vou ser direto com você, a realidade que conhecemos não é nada além do que uma camada. Uma camada de um grande todo composto por outras camadas. Existem mais realidade, não como a nossa é claro, mas mesmo assim existem outras realidades, se é que eu posso explicar dessa forma!

Já lhe contei sobre o acontecido que me fez conhecer o Herculinus, o que eu não contou foi o que aconteceu depois. Logo após nossa briga com o wendigo, alias: você sabe o que é um wendigo? Não? Já imaginava. Nossa briga foi realmente feia, me deixando muito ferido e com um certo tipo de veneno no sangue que não tinha cura em nossa realidade. Herculinus ficou comovido ao me ver daquela forma, ele acreditou que eu era bom de coração, por não o ter questionado momento algum e ter arriscado a minha vida para salvar amigos que já estavam mortos, então ele me levou para a sua realidade, aonde o antídoto existia e lá me curou. Mas também fez muito além disso, acabou por me contar toda a verdade sobre a realidade e tudo o que existe no mundo. Me contou o que existe entre os mundos e sobre o acordo a muito feito entre o Tempo e a Morte, que delimita e cria regras para a passagem entre as realidades, pois houve um tempo onde a nossa realidade era constantemente invadida por seres de outras realidade. Sátiros, ninfas, elfos, dragões, aliens, magos e até mesmo você, são seres que vem de outras realidades e fizeram ou fazem parte da nossa em algum momento da história.

A verdade é que eu não sei explicar muito bem como a coisa toda funciona, Herculinus nunca me deixou saber de tudo, mas o básico é que: durante muito tempo o destino da humanidade estava na mão de seres vindos de outras realidades, que tinham o conhecimento de como se transitar entre elas, por serem mais evoluídos. Mas um belo dia o mestre do Tempo e a senhora da Morte se sentaram para criar regras e limites entre essas passagens de realidade, por acreditarem que já era hora da humanidade caminhar com os próprios pés, então apagaram os vestígios físicos que existiam daqueles que já haviam mudado de alguma forma a nossa história, mas deixaram a mente dos humanos intacta e foi assim que as lendas que conhecemos hoje em dia nasceram. E isso é tudo o que eu sei sobre a realidade e a verdade por de trás dela.”

Milena não sabia se estava ficando louca por ouvir tanta informação ou se apenas estava em uma realidade paralela, mesmo que a ultima alternativa fizesse mais graça do que sentido. Ela só havia ficado com mais dúvidas e não entendia nada do que Joe estava falando. Porém só uma pergunta enchia só cabeça nesse momento:

- E o que eu tenho a ver com tudo isso?

- Essa pergunta – uma voz rouca atrás dela respondia – o gorducho não pode responder! – Ela cometeu o erro de olhar para trás e viu que o mesmo sátiro que havia visto pela manhã, estava de volta e agora ao seu lado estava um elfo com uma espada na mão esquerda.

Camadas - Capitulo II - Grandes Descobertas

Segundo capitulo e continuação do romance que eu estou escrevendo.

Lembrando que a série Um novo escurecer não foi paralisada, ainda pretendo postar o segundo arco que se chamará Tradição e provavelmente será dividido em três partes.

Espero que gostem desse novo romance.

Para acompanhar lei primeiro Camadas - Capitulo I - Vendo o Invisível


Capitulo II – Grandes descobertas

Muito assustada Milena andou até a mesa em que a poucos minutos atrás um ser meio bode meio homem estava de pé. Ela pensava nas desculpas que Joe inventaria para se explicar e sabia que nada poderia convencê-la de que aquilo não era real, nem se ele dissesse que a coisa era só um anão fantasiado. Ela se sentou na cadeira enfrente a Joe e o encarou, como quem falasse em um tom de vocês estridente “Vamos! Me explique o que era aquilo!”, mas ao contrario de suas expectativa ele não tentou se explicar com desculpas esfarrapadas ou tentando convencê-la de que estava ficando louca. Ele continuou olhando-a nos olhos sem nada dizer.


- E então J? Você não vai me explicar o que era aquela coisa que estava com você agora a pouco? – ela disse ainda o encarando, mas agora com uma expressão de ferocidade no rosto.

Mas ele ficou mais uns instantes calado, só olhando para os olhos da menina de vinte e poucos anos, que já trabalhava a três para ele. O ar estava tenso entre os dois. Milena não entendia o porque do silencio de Joe e começou a duvidar de si mesmo, afinal poderia estar sonhando ainda. Porém não ia mais pensar que estava louca, não depois do que já havia passado, então quando estava abrindo a boca para indagar mais um a vez, Joe levantou o braço como que para calá-la e ela se calou, mas ainda estava procurando uma explicação. Vendo que não podia mais segurar o silencio, ele começou a falar.


- A coisa que você viu encima da minha mesa é um sátiro, na verdade um sátiro anão, mas mesmo assim não deixa de ser o que é. Ele veio aqui me cobrar um favor.


- Então você vai querer me convencer que deve favores a sátiros? O que ele fez para você? Te salvou de ogros? – na voz de Milena era audível um tom de desespero, porque no fundo ela, não só, esperava que ele tentasse se explicar com desculpas como precisava dessas mesmas desculpas, já que acreditar em sátiros não é uma boa coisa, as pessoas te prendem em manicômios por muito menos.


Joe ficou novamente calado. Seu rosto passava nitidamente o descontentamento por ter de ouvir aquelas gracinhas de uma menina que não sabia nem da missa a metade sobre qual era a verdadeira situação em que estava se metendo. Porém não resistiu em deixá-la mais uma vez perplexa com uma resposta inesperada.


- Quando eu tinha mais ou menos a sua idade, fui acampar com uns amigos numa floresta velha que existia perto da minha cidade. Éramos jovens e descuidados, não escutamos os mais velhos que contavam as lendas do lugar. Ficamos perdidos na floresta antiga e encontramos uma caverna, cometemos o erro de dormir na caverna e na manhã seguinte quando acordei estava sozinho e havia rastro de sangue pelo chão. Segui os rastros até o final da caverna, que era mais extensa do que imaginava, mas ao chegar no fim o que vi não era muito agradável. Os corpos de dois dos meus amigos estavam jogados envolta de uma fogueira e do outro lado um wendigo estava comendo o que sobrara de um dos amigos que havia sido levado. Corri em direção a saída sem olhar para trás, mas acabei tropeçando em Herculinus, o sátiro que você viu aqui comigo. Ele era um caçador de criaturas “más” e estava a procura desse mesmo wendigo, muito contra a minha vontade eu o levei até o final da caverna e juntos lutamos contra a besta. Concluindo: devo a minha vida e a dos meus dois amigos a Herculinus, porque o wendigo havia deixado com que eu o visse e por isso teria que me caçar até que eu estivesse calado.


Milena não pode conter as risadas que saiam de sua boca e isso só piorava a expressão de descontentamento de Joe. Ele havia contato a história de forma que se lembrava, provavelmente esqueceu algum detalhe por menor, mas isso havia sido tudo, não gostava que rissem dele, ainda mais quando o assunto era sério. Mas Milena não conseguia, ou não queria acreditar em história tão absurda.


- J! Grande J! A quanto tempo nos conhecemos? Quatro anos? Desde que eu me mudei para essa pocilga de bairro. E você quer mesmo que eu acredite que o duende caçador de monstro salvou a sua vida e que agora está te cobrando um favor? E o que ele quer que você faça? Que você ajude a exterminar os invasores de Marte?


- Ele não é um duende. Duende são seres mais sacanas. E sim, eu devo um favor para ele, só que é bem mais simples que matar marcianos. Ele quer que eu mate você.

Milena já não ria mais, para ela a brincadeira havia ido longe de mais e agora estava cheirando a loucura. Ela havia visto mesmo aquele anão fantasiado sumir do nada para o nada, mas também sabe que existem n truques de mágica que fazem o mesmo efeito, só entendia porque Joe estava inventando aquela história de matá-la. Com certeza a história não tinha mais graça e ela sabia que Joe tinha sempre uma arma na gaveta do meio, a que tinha tranca. Começou a temer por sua vida, então achou que seria melhor levantar e ir embora, antes que Joe tivesse a chance de atirar nela e cumprir a missão que o anão bode havia lhe dado. Ela começou a se levantar dizendo para ele que não acreditava na história, mas que isso não era problema, porque ela tinha que trabalhar. Foi quando ela já estava na porta que Joe disse uma coisa que a fez parar e voltar.


- Você está tendo pesadelos a um tempo não é verdade? – a frase a fez voltar e ficar de frente para Joe em pé.


- Isso é fácil de saber. Você acha que eu vou cair num truque tão fácil, todos aqui tem pesadelos, é só olhar para essa droga de bairro e...


- Você sonha com criaturas que jamais viu, - ele a interrompeu – e uma dessas criaturas é o sátiro que estava aqui comigo.


Aquela adivinhação era melhor que a primeira e começou a conversar Milena de que tudo poderia ser verdade. Ela sentou meio que sem ar na mesma cadeira de onde havia se levantado com medo de tomar um tiro a poucos segundos atrás. Sua mente girava rápido demais dessa vez. Ela ficava olhando para Joe, só que dessa vez não havia traços de descontentamento e sim um leve sorriso de canto de boa, que dizia o quanto o momento era prazeroso para ele. Mas a ficha estava caindo para Milena. Saber que ela estava tendo pesadelos era muito fácil, bastava ficar a observando durante toda a noite que poderiam vê-la levantando mil vezes e indo a cozinha pegar água para o remédio. Já contar que nos seus sonhos haviam sátiros poderia não passar de um mero palpite, então ela voltou a temer pela vida, mesmo que Joe não passasse a impressão de que estava pronto para matá-la, suas mãos estavam cruzadas na frente do rosto enquanto os cotovelos se apoiavam nos braços da cadeira.


- J, como você sabe que eu tenho tido pesadelos com criaturas e que uma delas é o seu amigo anão fantasiado? Você está me espionando a noite?


- O que? Você está ficando maluca? Eu mal tenho tempo de dormir. Você acha mesmo que eu vou perder tempo te olhando, fora que eu nem sei em qual andar você mora.


- Então como você sabia de tudo isso?


- Simples! O Herculinus me contou algumas coisas e foi fácil deduzir o que estava acontecendo.


- Se é tão fácil e simples assim, me conta, porque a burra aqui ainda não sabe de nada.


Mais uma vez ele a encarou sério, mas dessa vez havia um brilho fosco no seu olhos, parecido com aquele que as crianças más tem antes de começar um briga na escola ou empurrar um amiguinho da escada. Foi então que ele abriu a boca.


- Você os vê nos sonhos, porque além de fazer parte do grupo dos escolhidos, é um dos cinco portais de transição. Entenda garota: você é especial.

Camadas - Capítulo I - Vendo o invisível

Minha mente anda muito criativa ultimamente, e o que é mais engraçado é que eu tenho criado coisa das quais tenho gostado.
Dessa vez vou colocar aqui um "romance" que estou escrevendo, sei que é uma coisa nova, ainda mais porque eu sempre me limito a contos, mas espero que vocês gostem.


Capítulo I – Vendo o invisível.
“Imagine uma cebola com suas várias camadas, uma após a outra, constituindo um corpo inteiro, fazendo da pluralidade algo singular e com identidade própria. Colocando de forma menos poética, podemos dizer que é como se ‘um’ fosse feito de ‘mil’. Agora imagine se alguém lhe disse que a realidade, aquela que você julga viver, se comporta da mesma forma que essa cebola, que na verdade o real e concreto, nada mais é do que uma camada de um todo ainda não compreendido nem mesmo pelos mais inteligentes, mas que é sentido o tempo todo por aqueles que compartilham o mundo junto com você, ou seja, todos os seres viventes. Seria muito difícil de acreditar não nessa nova verdade? A realidade uma grande cebola e que assim como ela pode ser fatiada e desfeita, é um pensamento que causaria medo a muitas pessoas e talvez por isso seja tão difícil acreditar, afinal essa é nossa realidade querer justificar os fatos provando sua solidez!” – Autor desconhecido durante uma palestra via web.
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Mais uma vez Milena acordou suando em sua cama depois de mais um pesadelo aterrador. Com essa noite, já eram cinco os dias em que ela não conseguia dormir direito porque algo assustador em sua mente resolveu acordar e sair para brincar em seu sonhar. Caminhou até a cozinha para seu ritual que consistia em beber um soporífero com o máximo de água que pudesse o fazer descer pela garganta ainda seca do terror que havia passado a poucos minutos, então voltava para a cama e tentava dormir sem sonhar, mesmo que a tentativa não desse em nada.

A manhã beijava a janela, acordando mais uma vez seu corpo cansado pelas três vezes que teve que acordar durante a noite assustada pelo que via quando fechava os olhos e atingia o sono Rem. Estava decidida a ir ao médico perguntar se aquelas pílulas realmente ajudavam alguém a dormir, porque para com ela as desgraçadas estavam fazendo o efeito contrário. Mas para Milena tanto fazia agora, já estava acordada e agora o sol já havia tomado conta do céu, o que significava ir trabalhar mesmo sentindo que seu corpo pedia que ficasse e tentasse dormir só mais uma vez. Em comparação a dormir, se vestir era uma das coisas mais fáceis que ela podia executar de forma automática naquele momento, a pergunta era se poderia atender os clientes com a mesma facilidade de automação nos movimentos, o patrão já avisara uma vez essa semana, se ela deixasse cair mais alguma jarra de café, teria que procurar emprego em outra cafeteria.

Caminhou sem dificuldades até o Jet Coffee. Trabalhar no mesmo quarteirão em que se mora tem dessas vantagens, é só esticar um pouco as pernas e já se está de frente ao balcão, o que não é muito legal era o fato de que aquele também era o bairro mais barra pesada da cidade, sorte de Milena não ter que andar muito, mais dez passos entre ela e o emprego e as vezes que foi assaltada passariam de três por ano para vinte por semana.

O Jet Coffee é aquele tipo de lugar em que ninguém quer trabalhar, “mas na vida, certas coisas agente não escolhe”, pensava Milena tentando apagar da consciência sua péssima escolha de não ir para a faculdade. O lugar já havia sido interditado duas vezes pela vigilância sanitária, era até difícil de imaginar como as pessoas voltavam lá todas as manhãs para comer, alguns diziam que a comida tinha um gosto especial, mas os funcionários, ou seja, ela e Betty, sabiam que o tal gosto especial era só um produto pata matar baratas que a “gerencia” comprava desde que o negocio abriu. Milena entrou sem muita cerimônia pela porta dos fundos. Não havia ninguém na frente e o Joe ainda não abrira o estabelecimento, o que era muito estranho, já que ele nunca se atrasava para abrir a pocilga.

Assim como o resto de sua vida, trabalhar no Jet se tornou um imenso ritual repetitivo, era só perguntar se o cliente, provavelmente algum marginal voltando de uma festa regada a drogas, queria mais café e anotar os pedidos, mesmo que alguns sejam os mais esdrúxulos possíveis. Porém Milena podia sentir que aquela manhã reservava algo diferente, não que ela fosse algum tipo de sensitiva, mas era uma daquelas manhãs que qualquer um podia sentir que havia algo no ar diferente do cheiro de gordura do dia a dia. Quando estava andando pelo corredor que levava até a cozinha pode ouvir a voz de duas pessoas conversando, mais precisamente discutindo, uma das vozes era de Joe e isso tornou o fato mais estranho porque foi a primeira vez em três anos que ele ouvi a voz de Joe representando medo e era um sentimento sincero, quem quer que estivesse junto com ele, deveria lhe colocar muito medo. Milena precisava passar enfrente a porta para poder chegar até onde ficava seu avental e os produtos de limpeza que ela usava logo de manhã na tentativa de melhorar o ambiente. Não estava muito preocupada em atrapalhar a conversa dos dois, pensou que até seria melhor porque, apesar de não parecer um assalto, Joe poderia estar precisando de ajuda e ela é uma alma boa de mais para negar um pouco de ajuda até mesmo para o sacana do seu patrão.

Continuou andando até chegar a porta do escritório que estava meio encostada. Chegou a levantar a mão para empurra a porta e dizer um simples: “ Ei J! Bom dia! Cheguei e vou limpar a cozinha, pode deixar comigo!”, mas algo em seu interior, aquela mesma sensação ruim que sentira no início da manhã, não permitiu que fizesse esse ato simples. Parou e olhou pela fresta que porta deixava que era o suficiente para o foco dos dois olhos. Demorou alguns segundos para entender o que estava vendo. A cena era surreal demais para sua mente acostumada a coisas menos estranhas. Ela podia ver nitidamente um ser com a metade do tamanho de uma pessoa normal encima da mesa de Joe, mas o estranho não era a estatura da figura e sim o fato de que ele tinha a metade inferior do corpo como um bode, as costas cabeludas, uma careca reluzente e dois chifres na cabeça. Aquela coisa estranha estava obviamente ameaçando Joe, mas ela não podia entender o que eles falavam, porque era algo em alguma língua esquisita que não se parecia com nenhuma que ela já escutara. Ficar atrás da porta acompanhando toda aquela cena bizarra era o máximo que as pernas dela permitiam e conversa parecia já estar no final, foi quando Joe se abaixou para pegar algo dentro da ultima gaveta da mesa. Ela não conseguiu ver muito bem o que era, porque o pequeno ser estranho estava em sua frente, mas pode perceber que era algo embrulhado em um papel. A conversa não durou muito depois disso. O sátiro, porque esse o nome do ser que Milena havia visto, desceu da mesa resmungando e batendo os cascos e logo depois desenhou um circulo no chão com um tipo de giz e resmungando mais algumas palavras desapareceu.

Milena já estava muito assustada, agora se lembrava aonde já havia visto aquele ser, fora em um de seus sonhos nesses cinco dias. Ela tinha certeza de que aquela coisa era mesmo um de seus sonhos, mas não sabia se ainda estava sonhando, mas qualquer vestígio de dúvida foi retirado quando ela escutou a voz de Joe dizendo “Pode entrar garota! Eu sei que você viu toda essa cena lamentável!”. O coração de Milena estava literalmente na boca.

Um novo escurecer: Sangue e balas de goma (Parte II)

Esse post é a continuação do meu último projeto: Sangue e balas de goma (clique no link para ler a primeira parte).

***


O mundo foi voltando aos poucos, primeiros os vultos coloridos, depois a imagem turva; sempre é nessa ordem, Derick sabia muito bem não era a primeira vez que o faziam apagar, só a fraqueza do momento em questão que o assustava, nunca acordara de um desmaio e se sentira tão fraco assim. Agora os olhos já haviam voltado ao normal, só o ouvido que ainda zumbia como se mil abelhas tivessem se instalado no canal auditivo e também uma pequena dor na base do pescoço o incomodava. Olhou bem para todos os lados e a cena era a seguinte: a cozinha de Derick com sua mesa e suas quatro cadeiras, na cadeira da frente estava sentada a dama de cabelos verdes tomando algo vermelho vivo com um canudinho; o chão ao lado dela estava lavado de sangue; um cheiro de podre se encontrava por toda a parte e ele, estava amarrado em uma cadeira. Fazendo as contas, subtraindo as dores e tirando o triste fato de suas mãos estarem em uma posição desconfortável, tudo ainda estava como antes.

- O que você fez comigo sua vadia? – apenas colocou uma frase interna para fora, mas o silencio ficou no ar durante os segundo em que ela bebia seu “líquido” vermelho com o canudinho transparente.
- Sabe, você humanos são bem engraçados, como você pode me xingar estando ai amarrado? É esse tipo de atitude que eu não entendo. – ela sorria com os dentes sujos com aquela coisa vermelha que estava bebendo.
- Vou perguntar mais uma vez e de vagar: o que... você... fez... comigo... sua vadia? – Derick não podia descer do cavalo, mesmo na situação que se encontrava.
- Simples, estou me alimentando e você desde ontem! – ela abriu um dos sorrisos mais vermelhos que já foram dados dentro daquela cozinha enquanto levantava o copo com o líquido vermelho.
- Você o que? Mas que porra é essa no seu copo? Eu to de saco cheio de você já! Me desamarra dessa porra agora ou se não eu quebro a sua cara! Ahh Que porra de dor é essa no meu pescoço? – gritar ajudou a libertar um pouco da tensão que estava passando pelo corpo dele. A última pergunta não precisou ser respondia, bastou que ele mesmo olhasse para baixo e visse que sua camisa estava tomada de sangue que obviamente escorria de seu pescoço. – Quem é você? O que você fez comigo? – ele agora chorava.
- Engraçado, vocês sempre choram. A cinto e setenta e dois anos eu faço a mesma coisa e sempre vejo vocês chorando quando descobrem que tem alguma coisa de muito errado. Olha, vamos combinar algumas coisas, está bom? Eu sabia que você ia concordar. Bem... eu quero muito que você entenda o que está acontecendo, e estou sendo sincera, mas não gosto quando você me chama de vadia, não é legal, entende? Então vamos combinar que daqui para frente você vai deixar de me chamar assim. Também sabia que você ia concordar com isso. Agora faça suas perguntas e eu irei responde-las, se puder é claro. – ela foi calma, muito calma.

O que perguntar? Essa era uma grande questão no momento, mas mesmo assim, só uma pergunta se repetia na cabeça de Derick: “O que você fez comigo?”, então achou melhor perguntar isso mesmo, porque também na havia com ter certeza se a resposta seria sincera.

- Ta bom! Agente vai conversar né? – o choro havia parado, mas a voz de Derick ainda estava meio alterada. Me diz o que você fez comigo, por favor!
- Essa eu já respondi, mas vou responder de novo só porque você está sendo educado. Eu estou realmente me alimentando de você. Talvez você ainda não tenha percebido, mas isso no meu copo é seu sangue assim como aquilo no chão e na sua cama lá no quarto, que foi aonde eu abri os buracos no seu pescoço e depois te costurei. Não sei se você já percebeu mais eu sou uma vampira.
- Como assim você é uma vampira? – Derick teve que adicionar um tom de sarcasmo em sua voz, não podia acreditar. Quer dizer, uma vampira, daquelas que chupa sangue? Que tem dentes pontudos? Problemas com alho e luz do sol? Por favor, não me faça rir, doe muito quando eu começo a rir. – Mas no fundo seu medo estava crescendo, ele agora tinha certeza de que ela era maluca.
- Não estou aqui para te fazer rir! – ela voltou a olhá-lo com aquele expressão de quem pode matar só com uma caneta, seu sangue gelou. Não estou de brincadeiras Derick, eu sou mesmo uma vampira. Essas coisas que você falou sobre os vampiros, bem... nem todas são verdades.
- O que, por exemplo? Vai dizer que vocês não virão morcegos. – havia mais ironia em sua voz do que ele havia calculado, mas só mais uma vez ela o fitou com seu temido olhar que diz “não estou de brincadeira” e o sangue parou mais uma vez.
- Você não é capaz de imaginar o que podemos fazer, mas também há coisas que não podemos, como andar de dia. Boa parte do que você leu sobre nós é puro mito, não morremos apenas com estacas no coração, muito pelo contrario, somos tão frágeis quanto vocês humanos. Basta que você nos faça sangras e começamos a ficar fracos, porém para vocês o maior problema é nos atingir, já que somo mais rápidos que o melhor de vocês e sim, podemos nos transformar, mas não em morcegos. Um vampiro pode muito bem colocar seu lado animal para fora, o que não é a coisa mais bonita de se ver, mesmo para mim que faço parte disso tudo, essa seja talvez a coisa mais grotesca que podemos fazer, eu mesmo só liberei meu lado animal uma única vez e nem queria, fui forçada a fazê-lo. E é fato que alguns de nós nutre certos hábitos alimentares diferentes, uns não tomam sangue humano, outros só bebem sangue humano e a quem prefira comer alimentos humanos, eu mesmo sou uma apaixonada por balas de goma, sou capaz de comer sacos e mais sacos e balas de goma. – a conversa estava deixando de ser surreal para ser ridícula.
- Quer dizer então que, além de se alimentar do meu sangue você se alimenta de balas de goma? Nossa! Você realmente me surpreende. Agora deixa eu adivinhar: você está me contanto tudo isso porque vai me transformar em um de vocês, porque de alguma forma louca se apaixonou por mim e por isso não poderia simplesmente me deixar morrer, então vai oferecer seu sangue para me transformar. – dessa vez o deboche da voz de Derick era mais que visível, era insuportável.
- Acho que não é tão simples assim jovem Derick. – ela se levantou e começou a dar a volta na mesa, fica bem atrás dele. Eu já tenho cento e cinqüenta anos e ainda não entendi direito como nos transformamos no que somos, então fica um pouco difícil de lhe ajudar nesse raciocínio. O que eu sei é que para se transformar em um morto-vivo sugador de sangue, você tem que ter feito algo de muito ruim quando era humano, para que sua alma esteja perdida e nem mesmo o inferno a queira, mas uma pessoa covarde como você não pode ter feito nada tão dramático assim. – ela repulsou as mãos sobre a ferida no pescoço dele, ficou um minuta parada admirando sua presa e por final deixou que seus caninos se projetassem mais na boca e atacou o pescoço como se fosse o ultimo pedaço de carne existente na terra, abrindo novamente o ferimento e fazendo mais o sangue voltar a escorrer como uma cascata. – Agora escute Derick, você vai morrer lentamente sangrando porque ninguém se preocupa virá aqui ver como você está, e foi por isso que eu te escolhi como presa.

Derick estava em um estado de torpor, mas ainda estava consciente do mundo ao seu redor. Viu a sua vampira andando de um lado ao outro da casa pegando o que podia de valor, não que houvesse muitas coisa à pegar. Não durou muito, logo ela estava no batente da porta dando um tchau com um sorriso incrustado no rosto que só agora ele foi perceber que era muito pálido. Quando ela bateu a porta, Derick sentiu que era verdade, iria morrer e nada podia impedir isso, mas na sua cabeça as últimas informações que a vampira havia dado ficavam ecoando como se estivessem em uma sala grande e vazia. Ele se perguntava se sua vida havia sido tão ruim assim, se havia feito algo que condenasse sua alma a um estado como o dela para o resto da existência do mundo, então simplesmente desmaiou. Mas não demorou muito para que acordasse com uma tremenda sede e uma vontade enorme de comer balas de goma.

Um novo escurecer: Sangue e balas de goma (Parte I)




Todo ser humano já nasce sabendo que existe uma pequena faixa que separa a realidade da imaginação. É nesse limiar entre o real e o irreal, que nós homens de imaginação fértil, desenvolvemos os lendas que o ser humano irá carregar pelo resto de sua porca existência na face do grande globo azul. Um dos meus temas preferidos para as lendas são os vampiros, afinalnada melhor que usar um ser quase humano para colocar medo nos próprios humanos.

A primeira história que irei contar é sobre um vampiro neófito residente na cidade mais movimentada do mundo, Nova Iorque. Leiam e aproveitem bem, porque agora o limiar entre a realidade e a imaginação acaba de ser transgredido...

***
Eram oito e meia quando Derick se levantou da cama e foi em direção ao banheiro de seu apertado e sujo apartamento. O jovem olhou para sua própria imagem no espelho riscado que fica encima da pia, assim como em qualquer outro apartamento naquele prédio velho e cheio de infiltrações. Ele sabia que havia algo de errado em sua face, mas não podia dizer o que era. O cabelo ainda era o mesmo arrepiado e negro como a noite, os olhos também estavam em perfeito estado, com sua marca roxa recorrente de uma briga que tivera com um dos seguranças do Striper´s Hotss. Então levou a mão à boca, havia um gosto estranho em sua garganta, era como se tive bebido litros de soro hospitalar de uma só vez. Perguntou-se se havia dormido no hospital mais uma vez em coma alcoólico e teria até acreditado nessa possibilidade se não lembrasse que havia sido trazido para casa pela garota de cabelos verdes que havia encontrado no bar na noite anterior. Lembrar dela também não era uma boa saída, porque hoje em dia com tantas drogadas ladras só esperando um otário como ele para roubar a carteira, ela não seria a melhor lembrança da noite que estava começando, descobrir que havia sido roubado também não era uma coisa boa de se ficar sabendo.
Derick andou de volta a sua sala/quarto e procurou a carteira encima da mesa que ficava no canto da parede junto a janela, e felizmente ela se encontrava lá também. Podia deixar o desespero de saber se havia transado com a estranha ou não para depois de uma sopa pré-pronta esquentada no microondas, mas não precisou esperar tanto, porque assim que se virou para caminhar até o armário de mantimentos, pisou em uma camisinha que não precisava de maiores vistorias a fim de confirmar seu uso. Mais uma vez havia transado com uma completa estranha, o álcool tinha esse efeito nele, mas pensou que dessa vez foi menos mal, pois havia usado camisinha. Continuou seu percurso até o armário, dirigindo-se logo em seguida para ao microondas que havia sido presente de sua querida mãe.
A mãe de Derick era uma boa mulher segundo os próprios pensamentos dele. Ele não ligava que ela havia si prostituido durante seus primeiro cinco anos de vida, porque essa foi a única forma dela o sustentar e talvez a situação não tivesse mudado muito caso o John, seu padrasto, não a tivesse aceitado mesmo com seu passado não ortodoxo.
“A vida no mundo moderno é boa”, penso, “em cinco minutos, temos uma bela sopa, como aquelas que aparecem nas propagandas de sábado de manhã”. Mas o que ele não sabia era o que estava esperando naquele momento, foi Derick colocar a colher com o liquido ainda quente na boca, que a maçaneta da porta começou a girar, barulho de chave acompanhava no movimento giratório. A porta se abriu e uma garota de cabelos verdes que aparentava ter mais ou menos dezenove anos passou por ela, era a mulher que Derick conhecera na noite anterior, ou pelo menos assim ele achava. Ela entrou e fechou a porta, trancando a logo em seguida. Andou até onde ele estava e só então pode perceber que ela carregava sacolas de mercado nas mãos. Ele não conseguia acreditar, mal conhecia a caveira de cabelos verdes e mesmo assim ela já estava fazendo compras para a casa, aquilo se não era hilário, era humilhante.

- Oi! – havia sarcasmo na voz de Derick – Bom, acho que não nos conhecemos muito ainda. Nem ao menos sei seu nome e vejo que você já fez compras. Devo parecer um morto de fome. Qual o seu nome? Ou vou ter que te chamar de meninas dos cabelos dos cabelos verdes?
- Você parece muito mais que um morto de fome. Magro desse jeito nem sei como pode agüentar tanto ontem a noite. – ela não olhou para ele enquanto retirava as coisas e colocava na mesa.
- Nossa! Quanta agressividade senhorita cabelos verdes, mas acho que essa não é a forma certa de me tratar em minha própria casa...
- Primeiro pode me chamar de Cibele. - Ela o interrompeu olhando diretamente em seus olhos de uma forma ameaçadora - E segundo que essa casa não é mais sua, agora ela me pertence assim como você.

Derick queria acreditar que havia um tom de brincadeira na voz daquela mulher, mas não pode achar esse tom, então concluiu que essa era mais uma das tantas loucas com quem havia tido uma transa casual, logo a melhor coisa que poderia fazer era colocá-la para fora o mais rápido possível dispensando honrarias desnecessárias. Mas não foi bem isso que aconteceu. Ela continuou olhando para os olhos dele de uma forma que denunciava o quanto era perigosa. Ele se levantou da cadeira e começou a ir em direção aquele figura de cabelos verdes que ainda tinha espinhas na cara, mais uma vez pensou em qual seria a real idade dela, agora que estava mais próximo percebeu que ela poderia ser menor de idade e esse fato seria muito ruim caso um dos seus visinhos mais fofoqueiros a tivesse visto entrar no apartamento. Já estava decidido a segura-la pelo braço para “gentilmente” guiá-la até a saída quando em uma fração de segundo ela percorreu a distancia que havia entre seus corpos e o pegou pelo pescoço levantando logo em seguida até que ele batesse com a cabeça no teto baixo.
- Escuta aqui seu idiota. – a voz dela não era mais humana, talvez não fosse uma voz fácil de classificar. Se você tentar tocar em mim mais uma vez, juro que vou te dar a pior morte que você pode ter. Considere-se um sortudo por eu não ter te prendido no banheiro ou não ter te drogado mais. Se você ainda está vivo é porque eu sou piedosa. – terminou a frase o jogando para o canto da sala, perto da pia da cozinha.
A dor na nuca era grande e visão ficou um pouco embaçada, porém Derick pode se levantar e pegar a faca que estava em cima da pia. Não pensou direito na hora, só sabia que aquilo que estava ali de pé não era humano. Foi direto na direção da cabeça verde, com a faca empunhada para o alto, pronto para desferir um golpe, o que realmente não seria muito inteligente, afinal de contas era assassinato. Mas Derick só deu uma facada no ar, a garota já não estava mais ali, foi então que sentiu uma presença as suas costas e logo depois mais uma forte dor na nuca. O mundo foi se apagando e deixando de ser solido, Derick estava desmaiando.

Continua...

Juan e o mar

A tarde chegava viscosa como o oleio que se passa nos cascos dos navios no quintal do asilo Lavitan naquele final de semana, onde seus internos se encontrava com os parentes e amigos que vinham para a visita da semana. Um desses internos, agraciado com a presença dos familiares, era Juan Valdes, um antigo lobo do mar que agora estava em terra esperando seu tempo de ir fazer a ultima grande viagem. Seus netos eram como um balsamo para suas feridas abertas, pois o faziam pensar em juventude prematura no mar.

- Vovô! Conte-nos uma história, por favor. – Apesar de saber que muito provavelmente a frase havia sido imposta as crianças pelos seus pais, talvez por pena do pobre e velho homem que ele se tornara, decidiu que iria contar a melhor de todas as histórias, iria contar aquela que havia sido a mais real de todas. Sua boca se abriu lentamente enquanto seus olhos fitavam o vazio a sua frente...

“O mar espirava suas águas geladas em grandes borrifos quando as ondas batiam contra o nosso pequeno barco de pesca. Não era uma noite muito diferente de todas as outras que se tem dentro de um pesqueiro no meio do mediterrâneo, mas mesmo assim um medo tomava conta de meu corpo e fazia meus ossos, que ainda eram jovens com os seus, tremerem como se aquela fosse a ultima noite que eu poderia olhar para as estrelas, isso é claro, se não houvesse nuvens gigantescas acima de nós em um céu escuro como a fome. Eu realmente estava com medo, porque nem mesmo saí para fumar meu cigarro, fiquei dentro da cabine do comandante Perez olhando pela pequena escotilha o mar revolto e empesteando tudo com o cheiro do cigarro barato que sou obrigado a fumar quando estou no mar.

- Sabe o que essa tempestade quer dizer Juan? – o capitão falou comigo.
- Não senhor! – eu respondi
- A tempestade é só o aviso de que algo maior estar acontecendo lá embaixo. Porque tudo que acontece na terra tem haver com o mar, está tudo ligado numa só coisa. E se nas profundezas não há paz, na superfície não pode ser diferente. Temo que algo ruim acontece com nossa Catarina hoje.

Catarina era o nome de nosso barco, o capitão o havia dado em nome de uma das tantas mulheres que já amara. Juro que quase me borrei de medo quando houve as palavras agourentas do capitão, afinal ele era um homem velho e sábio, quase tão velho como eu sou hoje, e diferente do que é hoje em dia, na minha época as pessoas davam atenção ao que os velhos falam. Mas isso não importa agora! Fiquei mais um tempo na cabine com ele, ouvindo-o contar história sobre o mar, história sobre coisas tão tenebrosas que Deus fez questão de deixar sobre as águas poupando os homens. Eu me assustava fácil e o capitão contava as coisas como se as tivesse vivenciado e talvez até tivesse, ele pode ter estado em qualquer um desses barcos em outros mares nos quais nem seus grande navios modernos estiveram, talvez no Circulo Ártico. Mas isso também não importa mais!

Andei até a proa, que estava abandonada. Sinais de que a chuva estava próxima vinham até meus sentidos. Quando se é pescador por tanto tempo quando eu fui, acaba-se por aguçar os sentidos aos poucos: sua vista vai ficando mais sensível ao brilho escuro que não é o das ondas, seu nariz ao cheiro de coisa podre e velha que só existe na barriga das maiores baleias que se escondem nas profundezas e por ultimo sua orelha que capita o menor som de algo se chocando contra a água, e não falo do barco em si, falo de algo maior. Naquele momento eu havia percebi que não estávamos sozinhos, algo estava ao lado do barco, ou talvez envolta, ou talvez embaixo. Corri em direção ao alçapão que levava até o interior do barco, mas meus passos foram muito lentos mesmo eu sendo jovem. Quando estava na metade do caminho correndo pelo deque escorregadio um tentáculo enorme se levantou e caiu encima do barco, bloqueando minha passagem. Meu coração vinha na garganta, eu nunca havia visto algo parecido. O tentáculo ficou parado pulsando a minha frente, havia bocas de sucção como as de um grande polvo, como aqueles polvos gigantes das histórias que eu acabara de ouvir o capitão contar. Mas o barulho que a coisa havia feito fez com que todos corressem para o deque.

- Pelos Deuses dos mares! O que está havendo aqui? – Jordan, o segundo imediato gritou quando viu a coisa parada entre mim e a porta que leva para o interior do barco, onde ele estava, mas não havia com eu responder, um raio cruzou o céu fazendo o mar inteiro brilhar e ofuscando nossos olhos, quando pudemos abri-los o tentáculo já não estava mais entre nós dois.

Fui para a cabine do capitão junto com Jordan, achamos melhor não contar nada para ninguém a não ser o capitão, fiquei sabendo por ele que todos os outros estavam bêbados demais para ouvir o barulho que aquela coisa havia feito no deque. Contamos tudo para o capitão, que nos ouviu com toda a calma que se pode ter nessas situações, e no final apenas nos disse para esquecer aquilo tudo e irmos dormir.

- Mas nós não imaginamos! Eu realmente vi aquela coisa, era como o demônio que o senhor descreveu em sua história, o Kraken. – eu gritei, pois não queria que aquele homem me achasse um louco, porém foi a mesma coisa que assinar um atestado de louca, ele simplesmente mandou que eu fosse até minha cabine e arrumasse as minhas coisas, iria me deixar no próximo porto.

Dois dias depois estávamos em um pequeno porto na Grécia. O capitão me pagou como tivesse ido até o final da temporada com eles e invés de me mandar procurar um médico de loucos, disse apenas para eu me cuidar e tentar esquecer o que havia visto. “Algumas coisas não é bom serem vistas por olhos vivos. Se cuide de não conte histórias sobre o mar.” Foi o que ele me disse. Arrasado caminhei até um bar que ficava nas docas, eu tinha que beber algo para me despertar, e foi nesse momento que eu vi um homem jogado na sarjeta entre uma parede mijada e o chão sujo de peixe que dizia contar uma história incrível se alguém o pagasse uma bebida ou mais, fiquei com pena o do pobre coitado, naquela época ainda tinha pena das pessoas, e o levei para dentro do bar. Ele me contou a história de como havia sobrevivido ao ataque de um monstro marinho a duas noites atrás que havia atacado seu navio pesqueiro durante a tempestade e não havia poupado ninguém a não ser ele, isso depois de olhá-lo no fundo dos olhos com seus próprios olhos baços de peixe morto. Então eu soube naquele mesmo momento que eu não estivera louco e que nem havia visto uma ilusão.”

Juan acabou de contar sua história e ouviu as novidades da família: eles iriam se mudar e por isso só poderia vir uma vez por mês visitá-lo. Juan não deixou que eles percebessem o quanto ele ficou triste com a notícia, apenas disse que assim seria melhor para eles, afinal sabia como era ficar muito tempo em um mesmo lugar e detestava. No final da visita, quando todos já estavam no portão indo embora, Cortez, um dos netos, voltou correndo para fazer uma ultima pergunta para seu avô.

- Vovô, o senhor viu o mesmo um Kraken?
- Volte todos os finais de semana e eu lhe conto sobre a cidade perdida no mar, sobre as mulheres metade peixe e sobre o capitão que prendeu seu coração em uma caixa para nunca mais morrer. Agora vá e se lembre sempre de voltar.

Naquela noite Juan sonhou pela ultima vez, mas foi o sonho mais feliz de sua vida, pois sonhara com o mar e sua magia.

Tortura

Em uma sala escura e úmida, um homem está sentado em uma cadeira de ferro gelada. Com os olhos castanhos como avelã, perdidos na poeira olhando pela única ligação que aquele quadrilátero tem com o mundo exterior, uma pequena janela fechada por barrar de aço grosso como o pênis de um afro descendente. Sua pele exala o cheiro do suor velho e seco que ele produziu na noite anterior, o cheiro era uma mistura de medo com histeria. Mas ele mesmo não era capaz de sentir seu cheiro, pois tinha o nariz quebrado, dando ao seu rosto um ar cômico que só um palhaço de circo itinerante pode ter. ele olha mais uma vez por entre as barras de aço, mas nada vê além do céu cinza predestinando o dilúvio que viria daqui a pouco.

Seus pensamentos metrológicos são interrompidos pelo barulho da porta se abrindo atrás dele e de sua cadeira, mas preferiu não se virar e ver quem era. “Vai ser melhor se não puder ver o rosto desses canalhas”, pensou em sua mente, o único lugar que eles não podiam tocar com seus dedos imundos. Os passos foram se aproximando cada vez mais, e cada segundo que se passava entre uma passada e outra era para ele como se um milhão de anos atravessasse seus ossos e o fizessem lembrar-se de cada coisa que havia vivido até aquele maldito momento. Sem fazer força, foi se lembrando de como havia chagado ali, uma emboscada no campo de batalha em alguma região da Europa velha, talvez no campo de algum fazendeiro que um dia cultivou cereais onde agora a maior guerra de todos os tempo estava sendo travada. Não que ele sentisse medo ou lembrar daqueles vinte ou trinta dias em que foi submetido as piores técnicas de tortura que a mente humana pode imaginar, medo não era nada em um lugar como aquele. Talvez nem mesmo a raiva era algo que o pudesse tomar agora. O único sentimento que se passava por sua cabeça era o cansaço, definitivamente ele estava cansado de tudo aquilo, de toda aquele guerra, que na verdade não podia entender muito bem o motivo.

Por final, só restava relaxar os músculos e partir para o outro mundo que havia criado em sua mente para fugir dos momentos em que seu corpo sofria. Foi aos poucos largando os sentidos que o prendiam a esse mundo de carne e concreto, esperando que lá, na cidade de vidro, perto de seu córtex central, sua espesa o estivesse esperando como na noite anterior e seria bom que ela tivesse colocado a crianças para dormir mais cedo, essa noite ele queria “aproveitar” as estrelas que estava no céu para fazer amor na varanda. Mas mais uma vez seus pensamentos foram interrompidos e dessa vez não era o barulho da porta se abrindo. Uma voz o chamava de volta para a realidade e não era a voz de um daqueles nazistas de merda, era uma voz amiga dizendo: “Acorda capitão! Sou eu o Cortez. Agente veio te buscar! Acorda porra!” Então ele sorriu, porque sabia que a hora de voltar para sua vida sem esposa nem filhos havia chagado.

***

só uma pequena pausa antes de acabar de postar o conto Lotus.

Lotus - A prostituta

Finalmente a continuação de uma dos meus mais novos projetos...
Lotus
Segundo capitulo: A prostituta

Quando fiz o pedido, tremendo por dentro, não acreditava que seria aceito, achei que seria rejeitado. Em momento algum pensei que seria mal tratado, não na casa dos Hinton, mas no fundo imaginei que aquela garota apenas riria da minha proposta, pois nós só havíamos nos visto de muito longe e ela parecia nem me notar. Mas a verdade nem sempre é como imaginamos! Quando fiz o pedido, ela abriu o maior sorriso que já pude ver em uma garota comportada como ela.
- Como já lhe disse jovem Jef: aqui em casa, até as mulheres fazem suas próprias escolhas, então seu pedido não deveria ser feito a nossa pessoa e sim a minha filha que é quem decidirá se aceita ou não seu pedido. – era a coisa mais irreal que poderia acontecer. Olhei para a jovem Susan, não queria ter que repetir a pergunta, mas se fosse necessário faria.
- Não precisa perguntar novamente Sr. Jeferson – ela definitivamente havia lido meus pensamentos – Antes de responder a sua pergunta, gostaria que me dissesse o porquê desse pedido.
Ela havia acabado comigo numa só frase. Como eu poderia assumir que estava apenas por interesse nas vantagens que teria me casando com ela, no dinheiro que aquela união me proporcionaria. Meu plano sempre fora falho, porque eu estava indo de encontro a um precipício esperando voar, se não desse certo eu apenas cairia e me machucaria, ficaria com o orgulho ferido e a família dela fechasse suas portas para mim, mas eu tinha que arriscar fazendo o pedido, sabia que ninguém nunca havia feito o pedido da mão daquela jovem e que teria mais chances sendo filho de um antigo amigo.
A verdade é que na hora inventei que já havia notado a beleza de Susan e sempre me lembrei dos momentos em que brincávamos juntos quando crianças, deixei claro que era uma paixão que tinha desde pequeno. E a meu ver eles engoliram a história como se ela fosse uma verdade incontestável. Na hora não pensei, mas hoje tenho quase certeza de que eles só estavam loucos para casar sua filha mais velha, porque já estava passando da hora.
- Antes de aceitar qualquer pedido seu Jef, gostaria de conversar com você melhor. Como você mesmo pode ver, aqui em casa, somos pessoas muito distintas e razoáveis, não nos deixamos levar por decisões tolas. Sei que você é um bom rapaz e que pede minha mão com as melhores intenções.
- E para que não pensem qualquer impropriedade de minha adorada filha, vou deixar que vocês conversem, mas Beth ficará na sala. Sei que não vai se importar, não é querida Beth? – acho que ela se importava sim.
Conversamos naquela tarde e nos tornamos mais íntimos com o passar da horas. Eu sabia que ela aceitaria o pedido. A família aceito, era tudo uma grande loucura, eu mesmo não era capaz de acreditar que uma Hinton aceitara se casar comigo, foi um dia estranho, mas dias estranhos estavam no meu currículo desde que começara ser jornalista.
***
O tempo passou, assim como o dia em que fui anunciado como o noivo de Susan Hinton para toda a alta sociedade de nossa cidade. Foi uma festa muito bonita, com garçons, talheres de prata, mesas no jardim da casa dos Hinton, as amigas de Susan e da família e meus poucos amigos do trabalho.
- Agora que você vai se amarrar, temos que fazer uma despedida de solteiro para você Jef – o Larry estava quase gritando, mas estava bêbado e não espero outra coisa do Larry quando está bêbado.
- Fala baixo! Agora o Jef é um rapaz de família. E o que a jovem e recatada Susan Hinton ia pensar de nosso jornalista se ouvisse esse tipo de conversa em seu jardim. – Joe, aquele hipócrita, sempre achei que ele me odiava, mas na verdade era só inveja.
- É Larry, depois conversamos sobre esse tipo de coisa e tenta não beber mais, não quero te levar em casa mais uma vez. – eu disse meio que olhando de soslaio para o grupo onde Susan conversava com uma senhoras, uns maracujás de gaveta na realidade, mas mesmo assim ainda eram a alta sociedade.
Aquele conversa seria meu tumulo, mas mesmo assim ela continuou no outro dia, quando tínhamos que fingir que trabalhávamos em uma redação jogada as moscas de uma segunda-feira destruída pela maior tempestade que a costa leste já havia visto.
- Lembra do que falei na sua grande festa sobre uma possível despedida de solteiro para você? – o Larry não ia me fazer esquecer essa história.
- Lembro, mas não se anime. Não vai acontecer nada, não vamos a lugar nenhum. Se o pai da Susan ficar sabendo que eu fui a algum inferninho com vocês , ele vai botar minha cabeça a premio. – eu sabia que o Sr. Hinton não acharia nada mal, e talvez até nos acompanhasse, mas o que me preocupava mesmo era o que Susan pensaria.
- Tem certeza? E se eu te animar dizendo que abriu uma casa nova bem no centro, perto daquele bar que você gostava antes de ficar noivo da garota que vale milhões de dólares?
- No máximo centenas, não milhares de dólares. Se fossem milhares, eu não estaria me casando com ela.
- Vamos Jef? Você nunca vai ser um noivo de verdade se não tiver sua própria despedida de solteiro. - os olhos do Larry brilhavam enquanto ele praticamente implorava por uma despedida de solteiro. Eu não sou tão insensível assim e se eles queriam um motivo para ir até um bordel, não podia deixá-los só na vontade
- Se vocês querem tanto ir, vamos! Mas se a família da Susan ficar sabendo de alguma coisa, eu juro que mato vocês.
Saímos naquela noite mesmo, fomos até a casa nova de “entretenimento” adulto que havia aberto assim como o Larry havia dito. Não era muito longe da redação, dava para ir andando e no meio do caminho conversamos. Como só foi Larry, Samuel e eu, pude falar sobre o dilema que eu estava passando, sobre o que estava começando a achar de Susan e sobre o dinheiro envolvido no meio de tudo aquilo. Não que o Sam e Larry sejam as melhores pessoas com as quais eu possa discutir alguma coisa, mas mesmo assim foi melhor que não compartilhar aqueles problemas e guardar tudo para mim.
O prédio onde ficava a tal nova casa era um pouco sinistro, tinha um estilo meio oriental e Larry disse que era assim por dentro também, além de todas as garotas serem orientais também. Na época eu não era muito fã de orientais e sempre ouvia história muito sinistra do que a máfia deles era capaz de fazer com ficava devendo algo. Queria desistir, mas não podia, Larry estava quase me empurrando porta adentro, parecia que ele já estivera naquele local e sua próxima frase denunciava a veracidade de minha desconfiança.
- Vou te apresentar a dona do local! – o entusiasmo era intenso em sua voz, ele parecia uma criança que ganha um brinquedo novo e quer mostrar para todos. – Hoje a noite vai ser sua campeão, você vai experimentar as coisas mais exóticas que o oriente tem. – senti que deveria ter medo dessa ultima frase
Por dentro o lugar era menos ameaçador do que por fora. Ninguém se sentava no chão ou coisa parecida, havia cadeiras e mesas, além de sofás aonde vi os homens mais influentes da cidade sentados como se nada estivesse acontecendo. Mas o lugar todo fedia a um cheiro muito forte que me deixou enjoado assim que entrei. Eu sabia muito bem que cheiro era aquele, era o tal do ópio, já tinha ouvido muito sobre ele.
- Esse lugar não é o máximo? Olhe só para tudo isso. E as mulheres... – Sam havia perdido o fôlego enquanto olhava aquele salão que se dividia em três parte: um pequeno palco, aonde nem duas dançarinas poderiam se apresentar ao mesmo tempo; um salão principal aonde ficava a maior parte das mesas e tinha os sofás encostados nas paredes; e por ultimo uma pequena varanda elevada, onde estavam sentados os chineses ou japonês – nunca soube muito bem a diferença – mais estranhos que eu já havia visto. Então uma mulher vestida num quimono rosa se aproximou de nós.
- Bem vindos a minha humilde casa jovens cavalheiros – ela não aparentava estar na casa dos quarenta e mesmo assim era muito atraente com seus cabelos negros, olhos puxados e pele alva. – Espero que gostem de tudo...
- Claro que vamos gostar senhora. Essas são as jovens mais bonitas que a cidade tem para oferecer aos seus homens – Larry tinha que interromper o discurso de boas vindas daquela mulher. – Viemos fazer despedida de solteiro para o nosso querido Jef. – não feliz em ser completamente idiota, Larry tinha que me levar junto naquilo.
- Oh! Que bom! Mas espero que o senhor continue sócio de minha casa quando já estiver casado. Somos muitos discretos senhores e zelamos pela boa imagem de cada um de nossos “amigos”, sabemos que eles têm família e que são res... – não posso relatar tudo o que aquela mulher pálida dizia por que simplesmente tive a atenção arrebatada pela coisa mais linda que eu já vira na face da terra, e ela estava dançando no palco, mais próxima de um anjo do que qualquer um das freiras que eu já tenha conhecido.
- Senhora! – a interrompi – Como é o nome daquela jovem que está no palco agora. – ela se virou para olhar melhor e quando seus olhos voltaram a me fitar, eles estavam carregados de um pequeno sorriso que faria qualquer um gelar.
- Aquele é Chun-rei, a nossa mais bela dançarina e alguns fregueses chegam a dizer que é a mais bonita de nossas garotas. O senhor deseja conhecê-la. – esse foi um daqueles momentos que eu sabia que deveria ter saído correndo pela porta e ter ido embora, mas o máximo que pude fazer foi balançar a cabeça em sinal de afirmação. Meu pesadelo estava preste a começar.

Shadowplay

Percebi que ela entrou no quarto quando vi o jogo de sombras projetado na parede a minha frente. Ela havia voltado meio cambaleante, o jogo de sombras me mostrava todos os detalhes. Podia ver suas pernas tortas, porque a luz se projetou por trás de seu corpo suado e molhado. Na hora fiquei pensando onde ela estivera todo aquele tempo, eu havia passado a noite toda a sua procura, fui a quase todos os bares que existem na cidade, visitei cada uma das sucursais do inferno onde sabia que ela andava quando ainda não namorávamos. Não podia conter as perguntas, não naquele dia.

- Onde você estava? Onde você esteve a noite toda? – meu olhos continham minha raiva, eu tenho certeza.

- Eu não fui muito longe, fui beber com umas amigas, e não precisa falar comigo nesse tom. – ela tremia, mas não era frio.

- Você tem idéia até onde eu fui para te procurar? Eu fui até o centro da cidade e fiquei te esperando, esperando você dar o ar de sua graça. – minha raiva só fazia aumentar. Ela saiu do quarto e foi para cozinha, comigo atrás falando cada vez mais alto.

- Já falei que você não precisa ficar gritando comigo. Eu só fui sair por aí. Você me procurou porque quis! – não podia acreditar que ela dizia aquilo, estava ficando louco de raiva.

- Eu fui te procurar porque você é minha namorada, e nada mais correto do que eu me preocupar com seu bem estar. E que cheiro é esse? Você tá com um cheiro de loção barata, do tipo que seu ex-namorado usava! Julia Maria, você estava com o João hoje? Fala, eu preciso saber. – meu tom de voz era estridente, eu estava no auge da minha raiva e não via mais nada a não ser o faqueiro que estava na pia.

- E se eu disser que estava com ele? O que você vai fazer? Hein? Nada, não precisa responder. Eu sei que você não vai fazer nada, porque você é um fraco que só sabe ficar atrás de mim como se eu realmente me importasse com você ... - eu já não a escutava, a raiva havia me tomado por inteiro e eu só era capaz de ver o faqueiro. Caminhei até a pia, empurrando-a para o canto, na hora nem percebi que ela chorava, só peguei a faca e fui em direção a ela.

Foram doze facadas pelo corpo branco e suado dela, não que eu tenha contado, não podia contar nada com aquele corpo dançando e se contorcendo pelo chão da cozinha. Um mar de sangue foi deixado para trás e junto dele estava toda a minha raiva contida. Deixei que ela se fosse olhando para mim, assim nunca mais teria que sair a sua procura nas noites dessa cidade infernal, agora ela quem viria me procurar.

Lotus - O pedido

Esse é o meu mais novo projeto, minha nova menina dos olhos, mas não me esqueci que tenho outros projetos para terminar.
Espero que todos gostem desse conto.

Primeiro capitulo: O pedido.
Dezembro, 21 de 1921

Existe um rio chamado vida e é nele que navegamos com nosso pequeno e frágil barquinho. E assim como existe o rio, também existem as margens dele. Na margem direita temos a sanidade, que é munida de razões e lógicas e é por onde costumamos andar quando saímos de nosso barco para pegar mantimentos a fim de sobreviver às escolhas que temos que fazer quando navegamos pelo rio da vida. Na esquerda temos a margem da insanidade, que é casualmente visitada por alguns de nós que acreditam em uma vida recheada de momentos insanos e sem lógica. Eu sou uma dessas pessoas que um dia parou bem nas praias da margem da insanidade e de lá quase adentrou na floresta da loucura.

Minha saga começa no dia que fui fazer o grande pedido a filha mais velha dos Hinton. Isso foi a exatos dois meses atrás e posso dizer com toda a certeza que naquele tempo eu não passava de um garoto descrente em um futuro feliz, só me importando com os benefícios que aquele uniam podiam me gerar, pois a filha mais velha dois Hinton era a herdeira mais rica de toda a cidade, caso o senhor e senhora Hinton morressem. Então naquela tarde de domingo após a missa na igreja de Santa Luzia, eu caminhei na direção da família Hinton, mas precisamente dos pais e me apresentei como jornalista de um pequeno jornal da cidade. Claro que eles já me conheciam, porque meus pais e os senhores Hinton haviam sido grandes amigos quando eles ainda eram muito ricos.

- Mas é claro que nós lhe conhecemos pequeno Jef (Jeferson) – a senhora Hinton disse para mim, mostrando seus dentes brancos como nuvens – E fico espantada de você estar com toda essa cerimônia para conosco, você deve se lembrar de que seus pais eram grandes amigos nossos – ela disse “eram” como se eles houvessem morrido.

Trocamos um papo, como dizem por ai nas gírias dos negros. Não foi a tarde mais maravilhosa da minha vida e nem a mais movimentada, mas eu tinha um objetivo em mente e sentia que ele poderia se cumprir mais rápido do que imaginava, porque senti olhares da jovem Susan destinados a minha pessoa. Quando se é um jornalista, acabasse ganhando certos poderes como o da observação. Desde que me sentei à mesa deles, percebi que Susan me olhava com certa interrogação. Susan não é do tipo de garota que tira o ar de um homem, chega até ser simples de mais com seus cabelos loiros sem brilho e seu olhar azul embaçado, porém ela carrega nas faces um certo ar de nobreza que é muito comum em todas as mulheres da família Hinton, segundo o que meu pai mesmo me contava quando eu era mais jovem. E quem sabe aquele ar de nobreza poderia conquistar meu coração havido pelos contatos e dinheiro que aquela família poderia me conceder.

Já no final da tarde, anunciei minha intenção de visitar os Hinton no dia seguinte em sua casa para tratarmos de assuntos pessoais. Acho que nesse mesmo momento a Sra. Hinton percebeu minhas reais intenções já que abriu um grande sorriso e o direcionou a Susan que estava a minha direita, com a perna coberta com o guardanapo quase encostando em mim. Foi um momento meu esquisito, pois o Sr. Hinton me concedeu a dádiva de entrar mais uma vez eu sua mansão mos o fez com uma ressalva um tanto quando esquisita.

- Olha rapaz – ele junta as mãos como se fosse rezar – permito que vá a minha casa, pois sei que é um bom rapaz, mas quero que fique sabendo que em minha casa até as mulheres pensão com suas próprias cabeças.

Na hora não entendi o que ele queria dizer com aquilo, mas enquanto caminhava em direção ao meu apartamento, fui pensando melhor naquela declaração que poderia ser vergonhosa para qualquer pai de família, mas que para ele era como se fosse algo do qual se orgulhar. Percebi que ele também havia entendido as minhas intenções para com uma dê suas três pedras preciosas, ela tinha mais duas filhas e as tratava como se fosse raridades, apesar de nenhuma delas ser muito interessante, a mais nova, Beth, tinha claros problemas de concentração, o que para mim denuncia uma certa demência.

Eram sete horas da manhã quando me levantei no dia seguinte ao do piquenique beneficente da igreja de Santa Luzia. Estava muito ansioso, era como se estivesse indo a uma entrevista de emprego, e de um bom emprego, dependendo da resposta que eu receberia ali na sala dos Hinton, ornamentada com belas tapeçarias e cortinas de seda oriental, poderia me tornar um homem rico. De certa forma foi muito estranho o modo com o qual fui tratado por toda a família Hinton naquele piquenique, sou um reporte pobre, que vem de uma família falida e nos repórteres já somos descriminados demais pelas classes mais avantajadas. Eles acreditam inferiores ou que levamos uma vida promiscua, o que não é de todo errado, mas mesmo assim costuma me deixar muito chateado, afinal de contas eles precisam tanto de nós como nós deles. Os Hinton me trataram muito bem, permitiram que me sentasse a mesa deles, que compartilhasse da mesma comida, logo eu que sou um dos repórteres mais pobres da região.

Caminhei até a mansão dos Hinton as nove horas. Ela ficava numa parte nobre da cidade, uma área residencial e levei quarenta minutos para chegar até lá, mas não me incomodei, precisava pensar no que iria dizer para os Hinton. Nunca havia pedido a mão de uma garota e já havia ouvido sobre casos em que o pretendente era humilhado pela família da jovem em questão. Definitivamente eu não seria humilhado, as pessoas que me receberam tão bem em sua mesa de piquenique, não iriam me humilhar. Minhas mãos suavam quando apertei a campaninha, mas não demorei a ser atendido e quem veio me receber foi a pequena Barbara, a filha “do meio” do Hinton, que é uma garotinha muito agradável com o mesmo ar de nobreza no olhar. Quando passei pela porta e entrei na ante sala da casa, vi no relógio que eram quase eram nove e cinqüenta, o que me fez perceber que demorei dez minutos fora da casa, tentando decidir o que faria. Mas logo fui guiado pela casa até chegar a sala de visitas aonde se encontravam todos os membros da família, até mesmo uma negra que deveria ter sido a ama de leite de todas aquelas crianças além de ser a provável amante do senhor Hinton.

- Pequeno Jef, que bom que você veio – a mulher insistia em me chamar de pequeno Jef, mesmo vendo que eu tinha o dobro de seu tamanho. – por um minuto achamos que não veria mais fazer o pedido.

- Como senhora Hinton? – fiquei perplexo por perceber que todos já tinham entendido
a minha intenção. – Como a senhora sabe que eu vim fazer pedido?

- Clarice, não deixe o rapaz constrangido – interrompeu o Sr. Hinton com seu cachimbo na mão esquerda. – Vamos deixar que ele mesmo faça as coisas. Isso me faz lembrar do dia em que foi pedir sua mão em casamento... – tinha que interromper, senão ouviria a história mais longa da minha vida.

Interrompi dizendo que estava muito nervoso, e logo me foi oferecido um lugar para sentar aonde eu ficava de frente para toda a família, inclusive para Susan, o que me fez perceber que ela tinha as faces rosadas além de não conseguir olhar em minha direção, sempre mantendo a cabeça baixa. Eu tinha que ser rápido, estava percebendo que talvez meu pedido seria acatado por toda a família.

- Senhor e senhora Hinton, eu, Jeferson Randle, venho até a sua casa com a intenção de pedir a mão de sua filha mais velha, Susan, em casamento... – as palavras quase não saíram da minha boca.

Coragem Yan, coragem

Dizer que aquele estava sendo um dia ruim era muito eufemismo e Yan não podia ser dar ao luxo de cometer esse tipo de erro, não agora que o mundo parecia estar caindo sobre sua cabeça, bem no dia de seu aniversário de dezoito anos. Parado de frente a aquela barraquinha de cachorro quente, ele ainda conseguia ver o prédio de onde acabara de sair com a triste noticia de que seu currículo não agradou o suficiente a banca julgadora, o que dizia que ele ainda estava sem uma faculdade para cursar e sem um emprego para poder pagar a faculdade que pretendia começar no semestre que vinha pela frente. Aquele era realmente o pior dia de sua vida, e pior ficaria quando ele voltasse para casa e falasse para sua amada mãe que o emprego que ele julgava já ter ganhado, fora ocupado por alguém que tinha uma indicação melhor do que a dele. Comprar um cachorro quente e voltar para casa era somente que ele queria, não podia agüentar mais decepções, seu coração cheio de artérias e veias entupidas por anos de cachorros-quentes como aquele, não resistiria a mais uma bomba. Não seria bom nem passar na casa da Heloisa, porque o medo dela terminar o namoro era grande demais, visto que era só isso que faltava para o dia chegar ao ponto culminante da desgraça.

Atravessou a calçada e foi em direção ao ponto final do ônibus que deveria o levar para casa. Legal, tinham lugares vazios ainda, não teria que ir em pé, e esse é o tipo de noticia que pode deixar um cara feliz se seu dia estiver sendo muito ruim. Sentou-se do lado de uma velhinha que fazia crochê. Yan não era muito fã de pessoas mais velhas, pessoas que ele carinhosamente apelidou de “os livros”, porque não gostava de velhos assim como não gostava de livros. Nasceu órfão, sua mãe havia morrido no parto e seu pai nunca foi buscá-lo na maternidade e acabou sendo adotado por um casal de professores quase idosos que o obrigavam a ler pelo menos cinco livros por semana. Ler aquelas histórias todas nunca o ajudou muito com nada que ele queria, mas fizera seu vocabulário crescer muito, o que não o ajudou a encontrar amigos e namoradas, só mesmo a Heloisa, que foi sua única amiga e até agora, sua única namorada.

O ônibus começou uma viagem normal, seguindo pelo trajeto de sempre e até que não ia lento, mas mesmo assim Yan se desanimava de pensar que do centro de sua cidade até o bairro onde morava no subúrbio, o trajeto levaria mais de uma hora e meia. O que ele podia fazer além de dormir bastante e rezar para acordar antes do ponto em que desceria? “Então vamos ao cochilo”, ele pensou.

Yan sonhava com Heloisa. Ele realmente a amava e não sentia isso por mais ninguém, porque ninguém mais o havia tratado tão bem quanto aquela garota de cabelos castanhos e enrolados com olhos verdes. Claro que havia a Dona Mariza e Seu Adalberto, seus pais adotivos desde que ele tinha dois anos de idade, mas ele os amava de uma forma diferente da que amava Heloisa. Estava sonhando com o dia em que eles se conheceram no colegial, ela havia o protegido daqueles caras maus que sempre batiam nele. Sabia que ser protegido por uma garota era humilhante, mas ele não podia deixar de se sentir bem sabendo que mais alguém no mundo se importava com ele e foi muito legal ver aquela garota magrela quebrando o nariz de um cara que ele nunca havia tido coragem nem para empurrar. Era um sonho bom, porque sonhar com Heloisa era sempre bom.

Seu sonho foi entrecortado pelo som de um grito de mulher. “Mais que merda! Não se pode nem mais sonhar em paz”, foi o que ele pensou em quanto abria os olhos para ver o que acontecia. Porém Yan teve que conter um grito quando viu que um homem vestido com uma bermuda e uma camisa vermelha e preta estava assaltando o ônibus com uma pistola na mão e uma sacola na outra.
- Ai! Quero vê todo mundo quietinho, entendeu? To aqui só para levar a grana de vocês, mas se alguém der mole eu levo a vida também, tão sacando?

Sim, um assalto fecharia aquele dia com chave de ouro. Por que tinha de ser justo no dia em que ele aproveitou e foi ao banco tirar o dinheiro da aposentadoria de Dona Mariza? “Deus não sorri para mim”, foi a única coisa que passou pela cabeça de Yan quando ele viu que o assaltante vermelho e preto chegava cada vez mais perto dele com a arma na mão e recolhendo os pertence de todos. Ele não podia entregar o dinheiro todo, aquele era o dinheiro para passar os próximos meses enquanto ele não arranjava um emprego. O que fazer? O cara tinha uma arma e mesmo que ele estivesse de mãos vazias, Yan nunca tinha enfrentado ninguém. Quando conheceu Heloisa, depois que ela quebrou o nariz do garoto que o perseguia, foi agradecer pelo gesto e ela simplesmente lhe disse:

- É melhor você virar um garoto de verdade. Eu não vou ta aqui sempre para te proteger. – depois abriu um sorriso e perguntou – Quer tomar um sorvete? Mas você paga!

Desde aquela época Heloisa estava certa, ele tinha que tomar vergonha na cara e começar a se defender sozinho. A pessoa que pegou o emprego que já era dele, havia o passado para trás, assim como o cara do cachorro quente que havia lhe roubado cinqüenta centavos só porque viu a cara de otário de Yan. Agora era a vez de o assaltante lhe passar a perna e tirar o único dinheiro que ele tinha.

O assaltante estava mais perto e a arma brilhava na direção de Yan, como uma risada capaz de cortar o coração. Ele precisava fazer algo, mas o que fazer contra uma pessoa que tem uma arma? Se fosse forte poderia tentar tirar a arma da mão daquele bandido vermelho e preto, só que ele não era forte e muito menos tinha coragem para fazer uma ação tão ousada assim.

Quando o assaltante ficou de frente para Yan apenas disse: “Passa a grana banana!” Então ele foi capaz de reconhecer aquele ladrão vermelho e preto. Ele estava no banco quando Yan foi tirar o dinheiro e provavelmente o estava seguindo até o momento certo de fazer o assalto, o desgraçado ainda ia levar metade de um ônibus cheio de pessoas de idade e de crianças que não tinham nada a ver com aqueles cinco mil reais que estava no bolso de trás da calça jeans de Yan.

Aceitar toda a situação seria abaixar a cabeça e Yan se perguntava até quando ia abaixar a cabeça para as pessoas que o faziam de “banana”. Não, essa seria a ultima vez que uma pessoa iria falar com ele assim, seria a ultima vez que ele seria feito de banana.

Os sons de tira foram o suficiente para Yan saber que aquela seria realmente a ultima vez.