Coragem Yan, coragem

Dizer que aquele estava sendo um dia ruim era muito eufemismo e Yan não podia ser dar ao luxo de cometer esse tipo de erro, não agora que o mundo parecia estar caindo sobre sua cabeça, bem no dia de seu aniversário de dezoito anos. Parado de frente a aquela barraquinha de cachorro quente, ele ainda conseguia ver o prédio de onde acabara de sair com a triste noticia de que seu currículo não agradou o suficiente a banca julgadora, o que dizia que ele ainda estava sem uma faculdade para cursar e sem um emprego para poder pagar a faculdade que pretendia começar no semestre que vinha pela frente. Aquele era realmente o pior dia de sua vida, e pior ficaria quando ele voltasse para casa e falasse para sua amada mãe que o emprego que ele julgava já ter ganhado, fora ocupado por alguém que tinha uma indicação melhor do que a dele. Comprar um cachorro quente e voltar para casa era somente que ele queria, não podia agüentar mais decepções, seu coração cheio de artérias e veias entupidas por anos de cachorros-quentes como aquele, não resistiria a mais uma bomba. Não seria bom nem passar na casa da Heloisa, porque o medo dela terminar o namoro era grande demais, visto que era só isso que faltava para o dia chegar ao ponto culminante da desgraça.

Atravessou a calçada e foi em direção ao ponto final do ônibus que deveria o levar para casa. Legal, tinham lugares vazios ainda, não teria que ir em pé, e esse é o tipo de noticia que pode deixar um cara feliz se seu dia estiver sendo muito ruim. Sentou-se do lado de uma velhinha que fazia crochê. Yan não era muito fã de pessoas mais velhas, pessoas que ele carinhosamente apelidou de “os livros”, porque não gostava de velhos assim como não gostava de livros. Nasceu órfão, sua mãe havia morrido no parto e seu pai nunca foi buscá-lo na maternidade e acabou sendo adotado por um casal de professores quase idosos que o obrigavam a ler pelo menos cinco livros por semana. Ler aquelas histórias todas nunca o ajudou muito com nada que ele queria, mas fizera seu vocabulário crescer muito, o que não o ajudou a encontrar amigos e namoradas, só mesmo a Heloisa, que foi sua única amiga e até agora, sua única namorada.

O ônibus começou uma viagem normal, seguindo pelo trajeto de sempre e até que não ia lento, mas mesmo assim Yan se desanimava de pensar que do centro de sua cidade até o bairro onde morava no subúrbio, o trajeto levaria mais de uma hora e meia. O que ele podia fazer além de dormir bastante e rezar para acordar antes do ponto em que desceria? “Então vamos ao cochilo”, ele pensou.

Yan sonhava com Heloisa. Ele realmente a amava e não sentia isso por mais ninguém, porque ninguém mais o havia tratado tão bem quanto aquela garota de cabelos castanhos e enrolados com olhos verdes. Claro que havia a Dona Mariza e Seu Adalberto, seus pais adotivos desde que ele tinha dois anos de idade, mas ele os amava de uma forma diferente da que amava Heloisa. Estava sonhando com o dia em que eles se conheceram no colegial, ela havia o protegido daqueles caras maus que sempre batiam nele. Sabia que ser protegido por uma garota era humilhante, mas ele não podia deixar de se sentir bem sabendo que mais alguém no mundo se importava com ele e foi muito legal ver aquela garota magrela quebrando o nariz de um cara que ele nunca havia tido coragem nem para empurrar. Era um sonho bom, porque sonhar com Heloisa era sempre bom.

Seu sonho foi entrecortado pelo som de um grito de mulher. “Mais que merda! Não se pode nem mais sonhar em paz”, foi o que ele pensou em quanto abria os olhos para ver o que acontecia. Porém Yan teve que conter um grito quando viu que um homem vestido com uma bermuda e uma camisa vermelha e preta estava assaltando o ônibus com uma pistola na mão e uma sacola na outra.
- Ai! Quero vê todo mundo quietinho, entendeu? To aqui só para levar a grana de vocês, mas se alguém der mole eu levo a vida também, tão sacando?

Sim, um assalto fecharia aquele dia com chave de ouro. Por que tinha de ser justo no dia em que ele aproveitou e foi ao banco tirar o dinheiro da aposentadoria de Dona Mariza? “Deus não sorri para mim”, foi a única coisa que passou pela cabeça de Yan quando ele viu que o assaltante vermelho e preto chegava cada vez mais perto dele com a arma na mão e recolhendo os pertence de todos. Ele não podia entregar o dinheiro todo, aquele era o dinheiro para passar os próximos meses enquanto ele não arranjava um emprego. O que fazer? O cara tinha uma arma e mesmo que ele estivesse de mãos vazias, Yan nunca tinha enfrentado ninguém. Quando conheceu Heloisa, depois que ela quebrou o nariz do garoto que o perseguia, foi agradecer pelo gesto e ela simplesmente lhe disse:

- É melhor você virar um garoto de verdade. Eu não vou ta aqui sempre para te proteger. – depois abriu um sorriso e perguntou – Quer tomar um sorvete? Mas você paga!

Desde aquela época Heloisa estava certa, ele tinha que tomar vergonha na cara e começar a se defender sozinho. A pessoa que pegou o emprego que já era dele, havia o passado para trás, assim como o cara do cachorro quente que havia lhe roubado cinqüenta centavos só porque viu a cara de otário de Yan. Agora era a vez de o assaltante lhe passar a perna e tirar o único dinheiro que ele tinha.

O assaltante estava mais perto e a arma brilhava na direção de Yan, como uma risada capaz de cortar o coração. Ele precisava fazer algo, mas o que fazer contra uma pessoa que tem uma arma? Se fosse forte poderia tentar tirar a arma da mão daquele bandido vermelho e preto, só que ele não era forte e muito menos tinha coragem para fazer uma ação tão ousada assim.

Quando o assaltante ficou de frente para Yan apenas disse: “Passa a grana banana!” Então ele foi capaz de reconhecer aquele ladrão vermelho e preto. Ele estava no banco quando Yan foi tirar o dinheiro e provavelmente o estava seguindo até o momento certo de fazer o assalto, o desgraçado ainda ia levar metade de um ônibus cheio de pessoas de idade e de crianças que não tinham nada a ver com aqueles cinco mil reais que estava no bolso de trás da calça jeans de Yan.

Aceitar toda a situação seria abaixar a cabeça e Yan se perguntava até quando ia abaixar a cabeça para as pessoas que o faziam de “banana”. Não, essa seria a ultima vez que uma pessoa iria falar com ele assim, seria a ultima vez que ele seria feito de banana.

Os sons de tira foram o suficiente para Yan saber que aquela seria realmente a ultima vez.