Uma mulher para amar

Agora que estou parado de frente para essa lápide, fria e molhada, fico tentando lembrar como conheci Estela, porém mesmo que force minha mente a se recordar desse dia que deveria ter sido marcante, só consigo lembrar que estava em uma fase muito ruim quando Estala entrou em minha vida, assim como a solução de todos os meus problemas. É engraçado, porque eu deviria lembrar tudo como se fosse ontem, porque de certa forma foi ontem, não faz nem um ano que a encontrei, só não consigo lembrar aonde.

Alguns amigos diriam que se tratando de Estela, não importa aonde a conheceu e sim sobre quais circunstancias. Ela era o que podemos chamar de anjo. Não houve quem não se apaixonasse por aqueles olhos azuis escuros que só mostravam seu potencial quando o dia brilhava forte, como se falassem “olhe para mim, eu posso brilhar!” Fico cansado só de lembrar o quando ela me fazia andar depois que saiamos só para não usar o carro e não degradar a natureza. Ela tinha dessas, se preocupava com o futuro, com o mundo que existia e com o mundo que não existia, e isso me deixava deslumbrado, porque nunca liguei para nada disso, nunca dei bola para esse papo de proteger a natureza e muito menos esoterismo. Eu era meio que o negativo de Estela, completamente o oposto, mas mesmo assim fazíamos um bom par.
Com toda a certeza Estela não era uma mulher para mim. Não a merecia, nem como a grande amiga que era. Mas o tempo foi passando e cada vez mais aquela coisa que começou com intimidade foi se transformando em sentimentos mais claros. Acho que nós dois percebemos quando não dava mais para mentir um para o outro. Resolvemos nos declarar no mesmo dia, foi muito engraçado, porque não sabíamos quem iria começar.

- Paulo – ela me chamou com aquela voz de tristeza pelo interfone do prédio. Posso falar com você? É importante e tem que ser agora.
- Claro que pode. Eu também tenho uma coisa para te contar. Sobe ai, vou deixar a porta aberta. – Acho que ela subiu as escadas bem divagar, porque levou quase cinco minutos para fazer um trajeto que não dura nem dois.
- Paulo.
- Você já disse isso. Olha só, me deixa falar primeiro, to com isso entalado na garganta e se eu não falar agora vou morrer.
- Não é brincadeira Paulo, o que eu tenho para falar é muito sério...
- Eu te amo – falamos os dois ao mesmo tempo.

Entre o “eu te amo” e o beijo que demos, houve uma pequena fração de segundos onde eu só conseguia pensar em como aquele era o dia mais feliz da minha vida. Tenho quase certeza de que ela chorou, porque eu pude sentir um gosto salgado de lágrima e depois ela não queria que olhasse para ela. Enquanto ela foi ao banheiro eu fiquei na sala dando pulos de alegria, como um garoto todo bobo com a bicicleta nova, só que essa era a bicicleta mais legal que eu já havia ganhado.

Os três meses passaram como um raio sobre nós. Éramos como unha e carne nada era capaz de nos separar. Vivíamos de “cama” como ela gostava de falar. Foi a namorada com quem mais tive intimidades, se é que você pode me entender!? Em menos de quatro meses já morávamos junto. Os amigos diziam que estávamos sendo precipitados, mas nos amávamos e tínhamos que ficar junto mais do que aquele tempo que se considera normal, precisávamos compartilhar a vida a dois de um casal e se não desse certo, simplesmente cada um iria para o seu canto e tudo ficava como antes, porque ela não deixou que eu vendesse o apartamento.

Porém nem tudo são rosas na vida de um casal. Não que brigássemos ou qualquer coisa do tipo, nossa vida era muito tranqüila, mas o tempo começou a pesar entre nós e por final a desconfiança acabou surgindo. As coisas foram ficando meio mornas e com essa letargia nasceram as respostas prontas para as perguntas sem sentido ou sem motivo. Eu ficava mais tempo no trabalho e ela não reclamava mais do tempo que eu gastava produzindo dinheiro.

Por fim acabei conhecendo uma mulher, se é assim que falar do meu caso com a estagiária gostosa da contabilidade. Porém eu não estava só feliz em estar traindo a mulher da minha vida, também ficava inventado coisas sobre ela. Comecei a pensar que se eu tinha um caso, ela também deveria ter o dela.

Terminei meu caso com a estagiária e passei a chegar de surpresa em casa, assim como quem não quer nada, às vezes nas tardes de segunda feira, às vezes nas manhãs de quarta, que provavelmente são os dias preferidos de quem trai o companheiro, ou pelo menos eram os meus dias preferidos. No trabalho, todos sabiam que eu havia tido um caso, perdi até alguns amigos que tinha em comum com a Estela, porque eles não queriam compactuar com a cagada que estava fazendo da minha vida. Mais isso não me importava no momento, pois eu tinha que ter certeza de que não estava sendo traído, e era só isso que me importava.

Em uma dessas segundas feiras triste, que começa com uma leve chuva, resolvi chegar em casa mais sedo e averiguar o que Estela iria fazer, além de regar suas plantas e dar aulas de yóga para as velhinhas que pagavam horrores pela que palhaçada de ficar se esticando em movimentos ridículos. A segui do momento que saiu de casa, até a chegada na academia em que dava suas aulas. Nada fora diferente de tantas segundas feiras que a segui, mas dessa vez ela recebeu uma ligação pelo celular, eu pude ver mesmo pelo vidro fume do carro. Então ligou o motor que quase não fazia barulho e segui para outro bairro.

Pensei que já havia vindo àquela parte da cidade, mas só pude ter certeza quando ela parou de frente a casa que pertencia a um amigo do meu trabalho, um desses amigos que tínhamos em comum, o Guilherme. Naquele momento a raiva que surgiu dentro de mim foi tão grande que eu acabei quebrando o rádio novo do carro. Não voltei para casa nessa noite, fiquei dentro do carro, parado bem de frente a nossa casa, isso é claro depois dos vinte e seis minutos que a esperei sair da casa do Guilherme com uma cara de arrependida. Como fui tolo em pensar que aquele olhar era por achar que ela sabia o erro que acabara de cometer.

Estela me ligou diversas vezes na noite que fiquei de tocaia enfrente a nossa casa, mas não atendi o telefone uma só vez. Quando achei que cinqüenta e duas ligações era demais para o cinismo dela, resolvi entrar em casa e descer o cacete nela até que ela soubesse que erro era me trair. E foi exatamente o que fiz, entrei em casa e nem dei tempo de Estela se explicar, mas também não queria explicações, só queria fazê-la sofrer pelo o que me fez.

Meia hora depois de ter entrado em casa e ter matado Estela de tantos socos e murros, o telefone liga e ouço a voz do Guilherme, no momento exato em que me arrependia de tela matada, na hora achava que havia matado. Nasceu dentro de mim uma vontade de dar o mesmo fim ao Guilherme, mas minha mão já estava manchada com o sangue da mulher que amava, porque mesmo jogada no canto, com a face desfigurada pela minha violência, ainda a amava.

- Paulo? Você ta ai cara? – dizia a voz no telefone. Não sei o que me fez responder, só queria que ele se calasse.
- To! Pode falar! – falei com uma voz mais amistosa do que queria.
- Cara, queria te pedir desculpas. Ontem a Estela veio aqui em casa. Liguei para ela pedindo para que viesse aqui porque tinha que contar que você a estava traindo. Sei que isso não se faz com os amigos, mas eu tive que contar. Não sei como você pode trair uma mulher tem boa assim... – desliguei o telefone.

Como sou réu primário e tenho curso superior, respondo em liberdade. Tenho bons advogados que provavelmente irão apelar dizendo que foi um crime passional, mas eu sei que sou um merda, só um merdinha, que matou o único ser que o amou de verdade. Agora que estou parado de frente para essa lápide, fria e molhada, fico pensando que deveria ser eu ali.

1 Sua opinião:

Anônimo disse...

Bom, existem os homicidas, que comentem mesmo os ditos crimes passionais...

e existem os exarcebadamente apaixonados...

Só que ainda não existe pena por amar.

História chocante. Caprichou hein!

ps: depois me perguntam pq eu não vou advogar na área penal...

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