Aleksándr, O Homem.

Meu pai costumava dizer que a coragem de um homem se mede não pelos atos que ele comete em nome de alguma prova, mas sim nos momentos em que se nega a fazer algo porque entende que não precisa provar nada a ninguém. Eu, obviamente, ouvia tudo isso calado, mas no meu interior maldizia aquelas palavras, pensando apenas que meu pai era só mais um covarde como todos os outros naquela casa. Naquela época não sabia do que sei hoje, porque é só através da vivência que reconhecemos os ensinamentos que os mais velhos tentaram nos passar.

Meu nome é Aleksándr, sou conhecido apenas como “O homem” por aqueles que temem o meu trabalho e essa história que irei te contar, não vai lhe deixar mais feliz e nem servir como material principal para o seu livro, porém transmitirá um conhecimento que nenhum dos colégios católicos conservadores foi capaz de me passar quando mais novo.

Eu já trabalhava para a “máfia” há muito tempo, mas apenas em cargos pequenos. Era o que eles chamavam de lixeiro, fazia a faxina depois que o trabalho dos carrascos estava pronto. Não era um emprego muito bom, mas me ajudou a ficar fora de problemas maiores por bastante tempo. Tempo suficiente para aprender mais do que a maioria que ia e vinha como soldados e atiradores de elite incapazes de ficar sóbrios para dar um bom tiro.

Tenho que admitir que em alguns momentos eu gostava de mentir para os policiais e pagar pelo silêncio deles e o engraçado é que gostava ainda mais quando o silêncio deles era falho, no fundo porque eu sabia que aquele era o tipo de coisa que meus chefes gostavam de punir em alto estilo. O lema era “contrato desfeito, vida desfeita” e esses homens para quem eu trabalhava não eram piedosos em suas vinganças. Uma dessas vinganças em especial foi o que me colocou dentro do círculo maior.

Minha missão era fazer uma cobrança. Aparentemente não haveria hostilidade, o devedor já era velho conhecido e sempre atrasava para fazer seus pagamentos, acho que tinha algo a ver com a mulher que estava morrendo de câncer. Para a minha infelicidade, dessa vez as coisas foram diferentes e foi nesse dia que eu dei o primeiro passo. Ainda posso me lembrar de cada fala, como num desses filmes que vocês americanos fazem. “Não tenho dinheiro esse mês, meu jovem” disse o velho, ele era só um barbeiro de idade avançada e eu não tinha motivos para espancá-lo até ver a cor do dinheiro. Eu poderia ter saído da sala e ter colocado dinheiro meu dentro do envelope de pagamento, era pouca coisa na época e seria menos hoje em dia. Diferente de tudo o que queria fazer naquele momento, apenas perguntei mais uma vez “quando o senhor terá dinheiro para nos pagar senhor Macfield?” e o velho sorriu para mim com o canto da boca e apenas respondeu “amanhã meu jovem, amanhã”. Sim, sabia que ele estava mentindo para mim, ele realmente não tinha o dinheiro, isso eu mesmo poderia ter visto, a mentira estava em me dizer que no dia seguinte aquela situação mudaria. Eu sei quando situações mudam para homens simples como ele e o “amanhã” que havia dito não seria um dia desses. Não poderia perdoar que um homem como aquele mentisse para mim, era o meu primeiro trabalho sério e se eu saísse dali como fraco, teria que deixar a máfia.

- E o que o senhor fez? Como o matou?

Você é um garoto apressado, mas entendo sua vontade de saber como eu dei cabo de um velho indefeso, é o cinema e esses jogos que fazem vocês ter tanta sede de sangue. Mas contrariando tudo o que você conhece sobre nós, os russos, não o matei com floreios e requintes cruéis, apenas mirei aqueles olhos velhos e percebi que ele já esperava ser espancado, provavelmente por ser isso que todos os cobradores antes mim faziam. Aí levantei minha arma e acertei um tiro bem no meio da testa.

Você sabe como uma vítima de tiro a queima roupa na cabeça morre? Não é uma visão muito bonita, pelo menos para pessoas normais. A bala entra pela frente com um pequeno furo e sai por trás fazendo um rombo enorme. Eu vi aquela cena pela primeira vez com apenas 22 anos de idade e tem quem diga que eu já estava velho para ver algo do tipo.

O resto do meu trabalho não foi importante, só joguei gasolina por todo o chão da barbearia enquanto ouvia a voz da mulher do barbeiro gritar do andar de cima “ John meu velho, o que está acontecendo aí em baixo?”

- E porque você simplesmente não subiu lá e a matou também?

Meu deus! Você é um doente sádico. Está me impressionando cada vez mais, menino repórter. Eu só não tinha motivos para matá-la com minhas próprias mãos, afinal de contas ela não tinha culpa da mentira do marido, era só uma inválida presa em uma cama suja com a sua própria merda. Sim, quando toquei fogo na barbearia a matei também, porém foi completamente diferente. Ela morreu por não ter forças para se levantar quando viu as chamas pela subindo pelas escadas, de certa forma não posso ser culpado por essa morte.

Acho que chegamos ao ponto em que você vai ouvir o que tenho a ensinar garoto. Porque a morte desse velho barbeiro, que na época tinha menos idade do que tenho agora, é um grande exemplo de ensinamento que ignoramos quando somos jovens. Ele morreu por uma mentira, correto? Sim, isso mesmo, ele morreu por contar uma mentira a quem não deveria. Eu teria lhe poupado a vida se tivesse caído aos meus pés aos prantos dizendo que não tinha dinheiro, mas que lhe poupasse a vida. Ele preferiu mentir, tinha o hábito de mentir e ser punido levemente por isso. Se todos os cobradores anteriores tivessem feito algo a ele que fosse importante, provavelmente não teria mentido e não estaria morto. Em resumo, ele morreu por ter o costume de mentir.

Você está gravando tudo? Está aprendendo, meu jovem? Está realmente absorvendo o que lhe disse esses dias? Espero que sim, porque se um dia você mentir por hábito a um membro da máfia russa, vai ser punido da mesma forma que aquele velho barbeiro. E por falar nisso, acabo de me lembrar da história de repórter que tentou fazer o mesmo que você, mas isso é história para outro dia. Agora saia e me deixe descansar.

- Poderei voltar amanhã?

Se eu ainda estiver aqui para contar algo, dizem que tem ótimos peixes na costa leste esse ano.

2 Sua opinião:

Edu disse...

adorei, mano! muito foda, tu esconde certos elementos e os revela de forma sutil na hora certa, sem levantar suspeitas. realmente muito bom.

tem que voltar a escrever mesmo, e postar mais textos aqui! é certeza que vou acompanhar. literatura de primeira =)

Pedro Vitor disse...

Po muito foda esse conto!
Achei que o barbeiro ia sobreviver...
:P