Camadas - Capítulo I - Vendo o invisível

Minha mente anda muito criativa ultimamente, e o que é mais engraçado é que eu tenho criado coisa das quais tenho gostado.
Dessa vez vou colocar aqui um "romance" que estou escrevendo, sei que é uma coisa nova, ainda mais porque eu sempre me limito a contos, mas espero que vocês gostem.


Capítulo I – Vendo o invisível.
“Imagine uma cebola com suas várias camadas, uma após a outra, constituindo um corpo inteiro, fazendo da pluralidade algo singular e com identidade própria. Colocando de forma menos poética, podemos dizer que é como se ‘um’ fosse feito de ‘mil’. Agora imagine se alguém lhe disse que a realidade, aquela que você julga viver, se comporta da mesma forma que essa cebola, que na verdade o real e concreto, nada mais é do que uma camada de um todo ainda não compreendido nem mesmo pelos mais inteligentes, mas que é sentido o tempo todo por aqueles que compartilham o mundo junto com você, ou seja, todos os seres viventes. Seria muito difícil de acreditar não nessa nova verdade? A realidade uma grande cebola e que assim como ela pode ser fatiada e desfeita, é um pensamento que causaria medo a muitas pessoas e talvez por isso seja tão difícil acreditar, afinal essa é nossa realidade querer justificar os fatos provando sua solidez!” – Autor desconhecido durante uma palestra via web.
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Mais uma vez Milena acordou suando em sua cama depois de mais um pesadelo aterrador. Com essa noite, já eram cinco os dias em que ela não conseguia dormir direito porque algo assustador em sua mente resolveu acordar e sair para brincar em seu sonhar. Caminhou até a cozinha para seu ritual que consistia em beber um soporífero com o máximo de água que pudesse o fazer descer pela garganta ainda seca do terror que havia passado a poucos minutos, então voltava para a cama e tentava dormir sem sonhar, mesmo que a tentativa não desse em nada.

A manhã beijava a janela, acordando mais uma vez seu corpo cansado pelas três vezes que teve que acordar durante a noite assustada pelo que via quando fechava os olhos e atingia o sono Rem. Estava decidida a ir ao médico perguntar se aquelas pílulas realmente ajudavam alguém a dormir, porque para com ela as desgraçadas estavam fazendo o efeito contrário. Mas para Milena tanto fazia agora, já estava acordada e agora o sol já havia tomado conta do céu, o que significava ir trabalhar mesmo sentindo que seu corpo pedia que ficasse e tentasse dormir só mais uma vez. Em comparação a dormir, se vestir era uma das coisas mais fáceis que ela podia executar de forma automática naquele momento, a pergunta era se poderia atender os clientes com a mesma facilidade de automação nos movimentos, o patrão já avisara uma vez essa semana, se ela deixasse cair mais alguma jarra de café, teria que procurar emprego em outra cafeteria.

Caminhou sem dificuldades até o Jet Coffee. Trabalhar no mesmo quarteirão em que se mora tem dessas vantagens, é só esticar um pouco as pernas e já se está de frente ao balcão, o que não é muito legal era o fato de que aquele também era o bairro mais barra pesada da cidade, sorte de Milena não ter que andar muito, mais dez passos entre ela e o emprego e as vezes que foi assaltada passariam de três por ano para vinte por semana.

O Jet Coffee é aquele tipo de lugar em que ninguém quer trabalhar, “mas na vida, certas coisas agente não escolhe”, pensava Milena tentando apagar da consciência sua péssima escolha de não ir para a faculdade. O lugar já havia sido interditado duas vezes pela vigilância sanitária, era até difícil de imaginar como as pessoas voltavam lá todas as manhãs para comer, alguns diziam que a comida tinha um gosto especial, mas os funcionários, ou seja, ela e Betty, sabiam que o tal gosto especial era só um produto pata matar baratas que a “gerencia” comprava desde que o negocio abriu. Milena entrou sem muita cerimônia pela porta dos fundos. Não havia ninguém na frente e o Joe ainda não abrira o estabelecimento, o que era muito estranho, já que ele nunca se atrasava para abrir a pocilga.

Assim como o resto de sua vida, trabalhar no Jet se tornou um imenso ritual repetitivo, era só perguntar se o cliente, provavelmente algum marginal voltando de uma festa regada a drogas, queria mais café e anotar os pedidos, mesmo que alguns sejam os mais esdrúxulos possíveis. Porém Milena podia sentir que aquela manhã reservava algo diferente, não que ela fosse algum tipo de sensitiva, mas era uma daquelas manhãs que qualquer um podia sentir que havia algo no ar diferente do cheiro de gordura do dia a dia. Quando estava andando pelo corredor que levava até a cozinha pode ouvir a voz de duas pessoas conversando, mais precisamente discutindo, uma das vozes era de Joe e isso tornou o fato mais estranho porque foi a primeira vez em três anos que ele ouvi a voz de Joe representando medo e era um sentimento sincero, quem quer que estivesse junto com ele, deveria lhe colocar muito medo. Milena precisava passar enfrente a porta para poder chegar até onde ficava seu avental e os produtos de limpeza que ela usava logo de manhã na tentativa de melhorar o ambiente. Não estava muito preocupada em atrapalhar a conversa dos dois, pensou que até seria melhor porque, apesar de não parecer um assalto, Joe poderia estar precisando de ajuda e ela é uma alma boa de mais para negar um pouco de ajuda até mesmo para o sacana do seu patrão.

Continuou andando até chegar a porta do escritório que estava meio encostada. Chegou a levantar a mão para empurra a porta e dizer um simples: “ Ei J! Bom dia! Cheguei e vou limpar a cozinha, pode deixar comigo!”, mas algo em seu interior, aquela mesma sensação ruim que sentira no início da manhã, não permitiu que fizesse esse ato simples. Parou e olhou pela fresta que porta deixava que era o suficiente para o foco dos dois olhos. Demorou alguns segundos para entender o que estava vendo. A cena era surreal demais para sua mente acostumada a coisas menos estranhas. Ela podia ver nitidamente um ser com a metade do tamanho de uma pessoa normal encima da mesa de Joe, mas o estranho não era a estatura da figura e sim o fato de que ele tinha a metade inferior do corpo como um bode, as costas cabeludas, uma careca reluzente e dois chifres na cabeça. Aquela coisa estranha estava obviamente ameaçando Joe, mas ela não podia entender o que eles falavam, porque era algo em alguma língua esquisita que não se parecia com nenhuma que ela já escutara. Ficar atrás da porta acompanhando toda aquela cena bizarra era o máximo que as pernas dela permitiam e conversa parecia já estar no final, foi quando Joe se abaixou para pegar algo dentro da ultima gaveta da mesa. Ela não conseguiu ver muito bem o que era, porque o pequeno ser estranho estava em sua frente, mas pode perceber que era algo embrulhado em um papel. A conversa não durou muito depois disso. O sátiro, porque esse o nome do ser que Milena havia visto, desceu da mesa resmungando e batendo os cascos e logo depois desenhou um circulo no chão com um tipo de giz e resmungando mais algumas palavras desapareceu.

Milena já estava muito assustada, agora se lembrava aonde já havia visto aquele ser, fora em um de seus sonhos nesses cinco dias. Ela tinha certeza de que aquela coisa era mesmo um de seus sonhos, mas não sabia se ainda estava sonhando, mas qualquer vestígio de dúvida foi retirado quando ela escutou a voz de Joe dizendo “Pode entrar garota! Eu sei que você viu toda essa cena lamentável!”. O coração de Milena estava literalmente na boca.

1 Sua opinião:

Vail Martins disse...

Olá...
Encontrei seu blog meio q por acaso e gostei muito das primeiras impressões que tive. Então vou fazer o que sempre faço quando encontro algo que gosto na NET: vou pegar seus primeiros capitulos e imprimir (Com a devida licença não gosto muito de ler no computador, imprimo para ler como um livro).
Então qdo terminar de ler escrevo de novo.